Planejamento com legitimidade
Brasília (15/1/20) – “Um ponto fundamental na construção do planejamento estratégico de uma cooperativa, é o engajamento dos cooperados, que devem opinar, avaliar e legitimar as decisões dos gestores”, afirma o consultor e sócio da Symnetics, Seung Hyun Lee. Segundo ele, as características do cooperativismo tornam o planejamento uma tarefa desafiante, pois os cooperados são, ao mesmo tempo, donos, fornecedores e, muitas vezes, clientes da cooperativa.
“As decisões são mais complicadas. A única forma de garantir que estão sendo feitas as melhores escolhas, dentro de ambientes complexos, é por meio da racionalidade, da lógica”, enfatiza. O consultor atua no desenvolvimento de planejamento e gestão estratégica, inovação e transformações de organizações empresariais e financeiras e, nos últimos anos, tem trabalhado junto a cooperativas dos ramos crédito, saúde e agropecuária.
Ele foi o entrevistado da edição de dezembro da revista Paraná Cooperativo. No material ele destaca que “a cultura das cooperativas e suas características distintas, aliadas a um processo de gestão e governança, podem alavancar o crescimento do setor.” Confira!
As características do cooperativismo tornam o planejamento uma ação mais complexa?
De fato, o cooperativismo é um ambiente complexo para o planejamento, pois os cooperados são, ao mesmo tempo, donos, fornecedores e, muitas vezes, clientes da própria cooperativa. Numa empresa mercantil, onde há apenas um objetivo, que é o lucro, ainda assim existem interesses conflitantes. Imagine numa cooperativa. A estratégia pode ser resumida, conceitualmente, num plano no qual 20% de esforço vai gerar 80% de resultados. Mas, para isso, é preciso fazer escolhas e, num ambiente cooperativo, essa decisão é mais complicada. Porém, se as escolhas não forem feitas, não há estratégia.
A cooperativa vai querer ser tudo para todos e, no final das contas, vai ser nada para ninguém. A única forma de garantir que estão sendo feitas as melhores escolhas, dentro de ambientes complexos, é por meio da racionalidade, da lógica. O que a gente pode discutir é o que tem lógica e o que não tem. Para desenvolver uma lógica, precisamos de dados, que vão nos direcionar para o caminho adequado. Dessa maneira, é possível chegar a uma convergência entre as pessoas. Um ponto fundamental na construção do planejamento estratégico de uma cooperativa, é o engajamento dos cooperados, que devem opinar, avaliar e legitimar as decisões dos gestores.
De quanto tempo deve ser o horizonte do planejamento?
O planejamento da Castrolanda, por exemplo, tem um horizonte de cinco anos. É um prazo bom. Se for menos tempo, percebemos apenas o momento e não conseguimos nos preparar para o futuro. Se for muito a longo prazo, a previsibilidade se dilui, pois tudo muda rapidamente. O agribusiness sempre foi um negócio perene, no entanto, esta realidade está em transformação, e tudo está se modificando de forma acelerada. Nos últimos anos, a economia patinou, e o único setor que avançou foi o agronegócio.
Há muito potencial ainda no Brasil, porque todos precisam de alimentos, o que confere consistência a esse mercado, condição que atrai investimentos. Quase todos os elos da cadeia da agropecuária já estão consolidados, mas existem alguns setores fragmentados, a exemplo do segmento de distribuição de insumos. É provável que movimentos de consolidação ocorram no curto prazo. O planejamento precisa considerar todos os aspectos que podem impactar os negócios.
Como considerar aspectos de inovação no plano de ações de uma cooperativa? A inovação é tida como uma busca incerta e volátil por resultados, algo distinto da racionalidade exigida pelo planejamento?
Realmente, a inovação disruptiva vai de encontro à lógica do planejamento. A cultura da inovação tende a gerar dispersão, e não racionalidade. Mas é preciso separar o contexto. Existe uma diferença muito grande entre uma instituição já estabelecida e uma startup. Uma startup não tem nada a perder, vai atirar para todos os lados, aquilo que acertar vai pegar e abraçar, esse é o objetivo e está valendo. Porém, a cada 50 startups criadas, quantas sobrevivem? Menos de 10%.
Uma instituição já estabelecida, uma cooperativa consolidada, não pode se dar ao luxo de atirar para todos os lados e perder dinheiro nos negócios. Tem que ter muito cuidado e saber o que pode afetá-la e quando. Por exemplo, falam da carne vegetal, que pode ter um impacto em toda a cadeia produtiva da pecuária de corte. Mas quando é que esse produto vai virar um padrão? Com certeza não será no curto prazo, ainda há muito a ser feito. Mas a cooperativa deve se preocupar com isso? Deve, mas há outras coisas mais urgentes que isso.
O processo de consolidação das revendas, por exemplo, que trará impactos muito mais imediatos. Tem que captar todos esses sinais e pensar no que realmente é impactante num horizonte de cinco anos. O restante é ruído. Em relação à inovação, em algumas coisas é interessante apostar algumas fichas. Principalmente em tecnologia, as cooperativas devem avaliar a necessidade de acompanhar, estar presente e entender esse universo em transformação, participando de projetos-pilotos.
Como manter um empreendimento competitivo em cenários de volatilidade?
Em primeiro lugar, não ficar só produzindo commodities. Numa cadeia em que todos estão se consolidando, quem não se consolida vai virar o elo mais fraco. Na área de insumos agrícolas, por exemplo, três players detêm 60% do mercado; na indústria de alimentos, 10 marcas respondem por 50% do mercado. O mesmo ocorre no setor de supermercados, cada vez mais consolidados. Se todos se consolidam e sua empresa fica parada, a situação torna-se complicada, porque a briga é com gigantes.
Antigamente, de cada 100 reais obtidos pela venda de alimentos, R$ 8,40 iam para o produtor agrícola. Hoje, esse valor é R$ 6,50. As margens estão cada vez menores. Por isso, é preciso fazer algo diferente, ou consolida, ou agrega valor. É um movimento inevitável. Talvez algumas cooperativas se juntem, pois empreendimentos pequenos terão dificuldades para se manter competitivos. Produtores individuais terão que avançar na industrialização, se quiserem sobreviver. Ao mesmo tempo, estão acontecendo mudanças de hábitos de consumo.
Os consumidores mais jovens são cada vez menos fiéis a marcas. Nos últimos 30 anos, as grandes marcas ganharam muito marketshare. Porém, elas estão agora perdendo força. Há um consumo mais racional, uma atenção ao custo/benefício, o que explica o posicionamento crescente das marcas de supermercados, que oferecem produtos com qualidade semelhante aos produtos líderes, mas com preços em média 20% mais baratos. Além disso, há o controle de distribuição, nas mãos das marcas líderes e dos supermercados.
Para superar essas barreiras nas gôndolas, é preciso oferecer uma proposta de valor consistente, ou então atuar em nichos de mercado. São vários movimentos que já estão acontecendo. Tem que acompanhar o mercado, para ver que caminhos trilhar. Seguindo no caminho errado, não adianta ter uma operação maravilhosa, um produto excepcional, pois o prejuízo é certo.
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