"A evolução da ética nas organizações"

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Muitas empresas brasileiras ou que atuam no país, nos mais diversos segmentos econômicos, apresentam sérios problemas de ordem ética junto aos  mais diversos stakeholders. Abusos são cometidos nas relações entre patrões e empregados, chefes e subordinados, atendentes e clientes, recrutadores e candidatos a empregos, só para citar alguns exemplos. Para traçar um panorama sobre o tema, é preciso conhecer os estágios de desenvolvimento moral em que se encontram as instituições: o pré-convencional, o convencional e o pós-convencional.

No estágio pré-convencional onde não há regras, ou a regra é levar vantagem e os outros que se danem, percebe-se que a lei do darwinismo social prevalece, ou seja, a lei do mais forte.  O importante são os resultados e não os meios e, neste contexto, abusos como o trabalho escravo, exploração de menores, extensas jornadas de trabalho, ausência de benefícios sociais, tratamentos depreciativos a negros, indígenas, idosos e mulheres é prática usual. Sem contar as práticas de concorrência desleal. Enquadram-se nesse estágio empresas exploradoras de recursos naturais, de produção rural, pequenas indústrias, estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços que, além de não tratarem bem seus funcionários ainda esperam que estes tratem bem a seus clientes. Em alguns casos, a discriminação já começa nos processos de seleção de pessoas quando exigem boa aparência, eliminando candidatos obesos ou afrodescendentes, por exemplo. Privilegiam a disposição física, a jovialidade e a inexperiência para imposição de uma filosofia de exploração, com grandes jornadas de trabalho, sem direito a reclamações. São organizações que pertencem a segmentos desorganizados e desregulados, sem representatividade e sem capacidade de mobilização para fazer com que as empresas passem a valorizar princípios como o respeito, a dignidade, a saúde e a segurança. Muitas delas ainda se encontram na fase da administração científica, preocupadas exclusivamente com métodos de aumento da produtividade e de redução de custos, visando proporcionar maior lucratividade a seus donos ou acionistas.

No estágio convencional, encontramos as corporações de setores em que existem áreas de gestão de pessoas mais organizadas e códigos de ética implícitos ou explícitos, com definição de regras de conduta nos relacionamentos entre os diversos agentes envolvidos com a organização, em função de pressões externas de sindicatos de classe, associações de empregados, código de defesa do consumidor, pressões sociais ou pela legislação imposta por agências reguladoras ou entidades de controle. É o caso de algumas instituições financeiras, seguradoras, concessionárias de serviços públicos, grandes indústrias, entre outras, que respeitam as normas e as regras de convivência mais por dever do que por desejo, pois as penalidades e retaliações por eventuais falhas ou descumprimento de leis podem custar caro. Mesmo assim, algumas preferem pagar indenizações a ter que cumprir com suas dívidas, promessas ou acordos firmados, caso os custos das boas práticas ou da boa conduta sejam mais elevados. Considerando-se ainda a lentidão da atuação do poder judiciário para elucidação das mais diversas causas, preferem protelar e adiar as soluções. Assim, vão se amontoando os processos de discriminação racial no trabalho, falta de isonomia salarial, assédio moral e não pagamento de horas extras.  Além disso, são frequentes as avaliações de desempenho subjetivas (quando existem), promoções sem critério, pressões para cumprimento de metas inexequíveis, só para exemplificar.

No estágio pós-convencional, surgem as empresas que se preocupam com o clima organizacional, com a responsabilidade sociambiental e o desenvolvimento sustentável. São aquelas que expressam em seus mapas estratégicos os valores, sua missão e sua visão, de uma forma verdadeira, do conhecimento de todos os parceiros internos e externos, praticados em todas as suas atividades. Não ficam apenas no discurso ou no mapa guardado na gaveta. Seus códigos de ética e seus princípios estão na essência, motivados pela convicção e não pela obrigação, no ar que as pessoas respiram, na satisfação e no prazer de trabalhar e de servir. São organizações que se preocupam em disseminar o conhecimento, formar líderes e cidadãos, que possuem transparência nas ações e resultados, que conferem liberdade de participação e estimulam as iniciativas, sem disputas internas por poder.

Apoiam seus colaboradores para resolver seus problemas cotidianos, facilitam os acessos e a mobilidade aos deficientes físicos, valorizam a diversidade de etnias, regionalismos, sotaques, pensamentos, ideias, aparências, hábitos e sonhos. O respeito, a cooperação e a valorização de todos fazem parte do DNA, é natural. Não precisam de sistemas de controle de ponto para impor obediência aos horários, pois o comprometimento com os resultados faz com que a dedicação de todos seja espontânea. Consequentemente, são lucrativas, devido ao alto índice de satisfação e de admiração de seus clientes; suas marcas são respeitadas pela coerência de princípios e excelência na prestação serviços. E os colaboradores participam dos lucros, logicamente. Disney, Google e outras representam bem a categoria de gestão mágica e são o sonho de consumo de muitos profissionais que buscam carreiras onde o aprendizado é permanente, a criatividade é estimulada e a motivação é uma constante. Muitas outras poderiam ser citadas, não apenas por possuírem ativos e marcas fortes ou pela perenidade alcançada, mas pelos benefícios gerados às comunidades onde atuam, os exemplos de conduta e de boas práticas, resultantes de valores éticos verdadeiros cultivados dia a dia para colheita das gerações atuais e futuras.

Neste contexto, uma nova onda vem ganhando força, por se basear na união de esforços e na solidariedade. Bastante forte em países como Alemanha, França, Inglaterra, Canadá, Japão, Índia e EUA, o cooperativismo, já presente no Brasil há mais de um século e meio, vem sendo disseminado silenciosamente e crescendo a passos largos em nosso país, pois são organizações onde todos ganham. Neste modelo, os clientes também são donos do negócio, de acordo com sua cota de participação e os representantes e gestores são eleitos pela via democrática. Hoje existem mais de 10 milhões de cooperados no Brasil, distribuídos em quase todos os setores produtivos urbanos e rurais. A ONU definiu o ano de 2012 como o ano internacional do cooperativismo e já existe um movimento para que lhe seja conferido o prêmio Nobel da Paz. Depois do absolutismo, do comunismo, do socialismo e do capitalismo, modelos político-econômicos que passaram por sérias crises de identidade, o cooperativismo vem se apresentando como alternativa de sustentabilidade e de solidariedade, atuando em sistemas cada vez mais organizados. O velho ditado de que a união faz a força, expressa muito bem a filosofia da cooperação, expressando princípios como a livre adesão, a participação em decisões e nos resultados, a integração com as comunidades onde atua, a melhoria da qualidade de vida de cooperados, empregados e familiares, a prática de preços mais acessíveis para produtos e serviços oferecidos, a ajuda mútua entre as pessoas, entre outros. Isso não quer dizer que todas as entidades do setor atuem no mesmo padrão ou sintonia e que a concorrência não exista. Obviamente, há diferentes graus de maturidade organizacionais, mas os princípios são comuns e valem para todos, servindo como um norte para a evolução das entidades. Como qualquer modelo ou filosofia, o que garantirá sua credibilidade e aceitação cada vez maior pela sociedade é a correta aplicação de seus princípios e conceitos, sem desvios de conduta, de acordo com os preceitos éticos de suas lideranças e partes interessadas.

Autor: Carlos Magno - analista em Gestão Estratégica do Sescoop e professor de Gestão e Negócios na Faculdade Senac-DF
 

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