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Cooperativismo é a nova economia global

Brasília (14/11/18) – O último módulo do projeto Conhecer para Cooperar foi concluído nesta terça-feira (13), em Brasília, com a participação dos representantes do governo federal, de agentes financeiros e, também, de cooperativas médicas e odontológicas, focos dessa edição do projeto, que contou com uma etapa teórica, duas, práticas e uma de finalização.

Um dos destaques da programação do último módulo foi a participação do diretor executivo do Instituto Europeu de Pesquisa em Cooperativas e Empresas Sociais (Euricse, na sigla em inglês), Gianluca Salvatori. Ele discorreu sobre as experiências de cooperativas de saúde ao redor do mundo e, também, sobre inovação.

Confira na entrevista abaixo, o que ele pensa sobre o papel do cooperativismo na nova economia global, pautada em um consumo mais ético e responsável.

 

Como o senhor vê o movimento cooperativista em nível global?

Nos países da Europa, claro que, dependendo do lugar e dos efeitos da crise de 2008, o paradigma do desenvolvimento econômico que dirigia nossas economias há cerca de 30 anos passou por profundas mudanças em função dos desafios gerados por essa crise, afetando, inclusive, os lucros das grandes corporações.

Então, depois de 30 anos tivemos de repensar muita coisa e foi um processo que envolveu as universidades, as políticas públicas e os próprios atores da arena econômica, dominada pelo lucro das empresas. O que vemos hoje em dia é uma mudança de atitude que valoriza o trabalho coletivo.

E é aí que as cooperativas entram. Elas têm, atualmente, mais atenção da opinião pública, porque há mais sensibilidade para ver essa nova forma de organização econômica. Então, o que temos observado desde a crise de 2008, é que que as corporações tradicionais como grandes empregadoras não estimulam valores nas pessoas, apenas competição.

E ao mesmo tempo, ao longo desse período precedido pela crise, as organizações cooperativas cresceram em termos de geração de emprego, em indicadores como o índice de retenção e, sobretudo, as organizações cooperativas passaram a ter um papel essencial como resposta das questões sociais exatamente por mostrarem que é possível produzir com respeito aos recursos naturais e às pessoas.

Vejo, pelo menos nos países europeus, um fenômeno comum, que é o cruzamento de duas linhas: uma é a economia tradicional em ritmo de desaceleração; a outra é a economia cooperativista, crescendo rapidamente em termos de capacidade de reação nos mercados onde atuam para enfrentar os desafios que vão surgindo todos os dias.

O momento das cooperativas é agora. Elas precisam continuar mantendo sua dinâmica de valorizar a atitude favorável das pessoas em direção a seus ideais, seus projetos, sempre de um jeito cooperativo de fazer as coisas. Nós acreditamos que as cooperativas têm a chance de crescer muito mais, bastando, para isso, ampliar sua capacidade de reação frente às novas demandas sociais.

 

Na sua opinião, quais necessidades são ou poderão ser tendências?

Todos os tipos de necessidades que envolvem a segurança das pessoas, de forma mais abrangente. Todo mundo precisa se sentir seguro em termos de saneamento básico, emprego e estabilidades diversas.

Nós acreditamos em conexões sociais, que, em função da crise, estão mais e mais desafiadoras. Quero dizer o seguinte: as pessoas nos últimos 50, 60 anos se sentiam protegidas pelo governo. Era como um poder superior, cuidando das nossas vidas, nossa saúde, nossa segurança. Mas, hoje em dia, isso mudou devido à diminuição do poder do governo, por conta da limitação de recursos financeiros, e, acima disso, por causa das questões ligadas à sua legitimidade.

As pessoas não acreditam mais em seus governos e sentem as instituições públicas mais distantes do que nunca. O povo já não acredita que as instituições públicas sabem o que é melhor para ele. As pessoas perderam a confiança nos políticos e na possibilidade de os governos serem ser a chave para resolver qualquer um de seus problemas.

Então, encarando essa falta de confiança que a sociedade tem em relação aos seus governos, o cooperativismo tem uma grande oportunidade diante de si, pois tem a habilidade de recriar os links entre pessoas e as instituições, ampliando as relações de confiança. Além disso, as cooperativas também têm nas mãos os mecanismos de atuar como agentes de desenvolvimento social, com base no desenvolvimento econômico dos cooperados e demais envolvidos no processo produtivo, por exemplo.

Vale ressaltar que o movimento cooperativista não é somente sobre economia. É sobre coesão social, confiança, visão de futuro. O cooperativismo é um modelo econômico que valoriza o lado econômico e o lado social.

 

E como as cooperativas podem fazer isso?

O movimento cooperativista tem a responsabilidade de dar algumas repostas à sociedade, não diretamente as de cunho político, mas associadas ao desenvolvimento, ao crescimento, à transformação. As cooperativas produzem ideias, visões e estratégias para o futuro. Uma das questões que surge naturalmente nos dias atuais, está relacionada à forma de como nós consideramos a escala do tempo, por exemplo.

As organizações políticas têm uma escala de tempo muito curta. Nossos representantes políticos têm de reagir, de acordo com as eleições. Eles não conseguem cuidar do futuro. Eles apenas olham o que pode ser feito entre o fim de uma eleição e o início da outra. Então, esse é um prazo muito curto para se produzir alguma coisa com comprovada eficácia.

Então, considerando esse cenário, quem tem a capacidade de olhar para o futuro? Eu acredito que o DNA do movimento cooperativista tem muito a contribuir. As cooperativas estão entre os poucos, repito, poucos, sujeitos em nossa sociedade e também no cenário econômico que projetam e planejam os próximos 20, 30 anos, mirando as próximas gerações. Então, o trabalho das cooperativas envolve uma aproximação entre uma geração e outra e isso é uma das forças invisíveis, mas reais, do movimento cooperativista.

Essa é uma das formas de responder às inseguranças do nosso tempo, porque as pessoas sentem que elas não têm como saber o que vai acontecer daqui a cinco anos. Elas não sabem o que vai acontecer com seus filhos, nem mesmo com elas quando envelhecerem... quem cuidará delas? Então, muitas das questões problemáticas da nossa sociedade está relacionada ao futuro. Não é sobre o presente.

Quer um exemplo? Nós estamos preocupados com os imigrantes, mas não com aquilo que eles significam hoje e, sim, com o risco que eles podem representar nos próximos anos. A gente sempre pensa: eles vão roubar os nossos empregos? Será que eles vão criar uma pressão social que reduzirá meu bem-estar? Então, muitas dessas questões se relacionam com situações do futuro, entretanto, ninguém, além do movimento cooperativista que tem a cultura e a habilidade de olhar para o futuro, fala do futuro.

 

Então você considera que as cooperativas têm, diante de si, a oportunidade de ocupar os espaços que vão surgir com base na economia do futuro?

Não só a oportunidade, mas a responsabilidade. Nós estamos numa situação ideal para recriar um novo tecido social, uma nova densidade. Nossa sociedade está perdendo a cola que junta as pessoas. Elas estão perdendo seus ideais, sua vontade de trabalhar por um ideal comum. E as cooperativas podem mudar isso, independentemente do setor econômico em que elas se localizem. Em todos esses setores elas podem propor um futuro ideal e o ideal de um coletivo de recursos humanos para que tenhamos um futuro mais promissor para todos.

Então, não há uma área ou setor especificamente que eu vislumbre oportunidades para as cooperativas. Na verdade, essas oportunidades estão em todos os lugares, em todos as áreas. Onde quer que as pessoas precisem de respostas para suas necessidades, ali as cooperativas terão condições de se fortalecerem.

 

E como as cooperativas de saúde, por exemplo, podem ser preparar para o futuro?

Para mim, um dos exemplos de como as cooperativas podem se beneficiar, agora, do futuro, está na área da saúde. Há um processo de mudança na nossa sociedade, em todos os lugares. As pessoas estão envelhecendo, vivendo mais do que no passado e de uma maneira mais problemática do que nos anos 80, 90. Então, a gente precisa pensar em como as cooperativas médicas poderão continuar atendendo seus clientes. Esse é bom cenário sobre o qual as cooperativas médicas podem refletir.

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