Saudável cooperação
Agricultura orgânica preserva o meio ambiente e garante qualidade de vida para consumidores e produtores
Em tempos onde cada vez mais a sociedade se volta para os cuidados com a saúde e com a preservação do meio ambiente, o cultivo de alimentos orgânicos desponta como a sensação na agricultura brasileira. Seja em feirinhas em bairros residenciais ou em grandes centros de distribuição como as CEASAs, os produtos chegam de maneira cada vez mais ágil ao consumo dos brasileiros.
A revista Saber Cooperar foi a campo para saber e relatar em detalhes as rotinas e os benefícios dessa cultura. Confira a reportagem abaixo ou CLIQUE AQUI para ver diretamente da Revista.
SAUDÁVEL COOPERAÇÃO
(Revista Saber Cooperar nº 16 ano 2014)
Agricultura orgânica preserva o meio ambiente e garante qualidade de vida para consumidores e produtores
“Se for para me fazer mal, prefiro perder a fruta. Não aplicamos nada nas plantas, nem tenho pulverizador. Só usamos preparados biodinâmicos. Isso garante nossa qualidade de vida e saúde. A gente praticamente não fica doente na família.” O relato de Inácio Rohr, da pequena Tupandi (RS), é um exemplo de como vivem os agricultores que conhecem os perigos dos agrotóxicos e aderiram ao cultivo orgânico em cooperativas que trabalham exclusivamente com essa modalidade. Mais do que o interesse econômico, o sentimento de cuidar de si e do planeta é comum.
Rohr é cooperado da Cooperativa dos Citricultores Orgânicos do Vale do Caí (Ecocitrus), que reúne 97 agricultores daquela região gaúcha em torno da produção de laranja, tangerina e uva. Até a década de 1990, ele aplicava o modelo convencional, mas a produção começou a minguar e perder qualidade com o uso de adubos químicos, apesar da orientação técnica com base na análise do solo.
Aos poucos, o produtor aderiu ao manejo orgânico e ao sistema agroflorestal, o que significa mesclar as plantas de cítricos com espécies nativas, como cedro, louro e angico, além de outras de interesse econômico, como banana, goiaba e fruta-de-conde. Chamada sombreamento, essa técnica de plantio intercalado, além de reduzir a incidência de pragas, protege o pomar da geada e produz matéria orgânica para adubagem. “Hoje é muito raro aparecer cancro cítrico aqui”, comenta Rohr, que possui um certificado internacional de produção biodinâmica.
A propriedade integra a Rota Sabores e Saberes do Vale do Caí, que promove o turismo rural nos municípios de Montenegro, Bom Princípio, Harmonia, Capela de Santana, Pareci Novo e Tupandi. Cerca de 700 pessoas – pesquisadores, na maioria – visitam anualmente o local. “Tenho um bom retorno econômico porque o custo para produzir é baixo e a rentabilidade, alta”, conta. “Mas a gente não pode olhar só o lado financeiro. Estamos cuidando da água, do solo, do ar e das pessoas que comem a nossa fruta. Quem vem aqui leva informação, isso para mim é o mais importante. Como cidadão, tenho o compromisso de mostrar esse trabalho.”
O presidente da Ecocitrus, Fabio Esswein, sinaliza que buscar somente o lucro é um erro frequente de quem procura informações na cooperativa: “A produção orgânica envolve todas as dimensões da sociedade. Claro que a questão econômica é importante, mas a sociocultural é mais forte. O produtor muda a maneira de se relacionar com a sociedade ao se perceber fornecendo um alimento de qualidade. Na cooperativa, os agricultores encontram suporte e fazem sua parte por um mundo mais justo”.
Mercado em expansão
Em sua coluna publicada no dia 26 de agosto deste ano na Folha de S.Paulo, o jornalista especializado Mauro Zafalon informa que a agricultura orgânica conquista cada vez mais produtores e consumidores na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil não é diferente, e, embora as estatísticas sejam raras, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estima em 1,5 milhão de hectares o tamanho da área cultivada, com projeção de crescimento anual no consumo de 20% a 30% nos próximos dez anos.
Segundo o Mapa, há 12 mil unidades de produção agroecológica no país – a meta é chegar a 28 mil em 2015. O site do órgão explica: “A qualidade dos produtos orgânicos no Brasil é garantida de três diferentes maneiras: a Certificação, o Controle Social para Venda Direta sem Certificação e os Sistemas Participativos de Garantia. Juntos, estes três modelos formam o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg)”.
Em Brasília, os orgânicos chegam ao consumidor em feirinhas nas quadras residenciais, em alguns supermercados e na Ceasa, onde fica o principal entreposto da Cooperativa dos Produtores do Mercado Orgânico de Brasília (Cooperorg). Há outros dois, menores, em um templo budista e no Jardim Botânico. Abertos às quintas-feiras e sábados, de 6h às 13h, os estandes da Ceasa oferecem, aproximadamente, 200 itens, entre frutas, legumes e verduras produzidos pelos 40 cooperados ou adquiridos em outros estados – pêras, maçãs e melancias, por exemplo, têm origem em São Paulo.
“A gente gostaria de abrir todo dia, mas o sábado é o dia forte do varejo na Ceasa”, explica Luiz Paulo Parga Rodrigues, presidente da cooperativa, que fatura cerca de R$ 100 mil apenas com as feiras. “Também planejamos atrair mais produtores. O desafio é fazê-los entender o processo de funcionamento da cooperativa e promover mais treinamento e desenvolvimento.”
Segundo ele, há planos de diversificar a comercialização, entre os quais a entrega em domicílio e a participação em licitações. Realizar as ideias, no entanto, esbarra no percentual de agricultores familiares no quadro social (abaixo do mínimo exigido em concorrências) e na sazonalidade de produtos como alface e tomate, escassos no período chuvoso que vai de novembro a março. José Ibaldi, diretor financeiro da Cooperorg, cogita reservar as quintas-feiras para os atacadistas. “É uma questão de tradição o consumidor fazer feira aos sábados. Com isso, os produtores poderão se organizar melhor”, adianta.
E é mesmo aos sábados que Mônica Mohamed empunha suas ecobags pelo pequeno galpão, onde adquire ovos, alface americana e tomates enquanto empurra o carrinho do filho de cinco meses. Ela conheceu o lugar por meio da prima Catiane Staelben, que há quatro anos chega cedinho ao Mercado Orgânico. “Eu me organizo para comprar de acordo com o que vou preparar ao longo da semana. Sou do tipo da pessoa para quem, se o produto não for orgânico, não serve”, afirma.
Cacau da Amazônia
Muitas indústrias já se adequaram à tendência do consumidor exigente e buscam nos orgânicos seus insumos. No Pará, a recém-criada Central de Cooperativas de Produção de Orgânicos da Transamazônica e do Xingu (Cepotx) é resultado da união de seis cooperativas que atuam em oito municípios e, desde 2008, comercializam amêndoas de cacau. Os principais clientes são uma indústria brasileira de cosméticos e uma fabricante austríaca de chocolates de luxo.
A constituição dessa cooperativa central é um desdobramento do Programa de Produção Orgânica da Amazônia e Xingu, que teve início em 2005 e hoje envolve cerca de 150 famílias nos municípios paraenses de Altamira, Anapu, Uruará, Medicilândia, Pacajá, Placas, Vitória do Xingu e Brasil Novo. É conduzido pela organização não governamental Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), com apoio da GTZ (sigla da Agência Alemã de Cooperação Técnica) e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). A cooperativa atua com base em princípios como certificação orgânica e comércio justo, promoção da qualidade, desenvolvimento do cooperativismo e agricultura familiar, entre outros.
Na região desde 1975, o catarinense Darcírio Vronske, da Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Amazônia (Copoam), preside a central, sediada em Altamira. “O aroma e a qualidade do cacau da Amazônia estão entre os melhores do mundo”, exalta. “Vamos fortalecer as cooperativas singulares e seus agricultores, sempre atentos às questões ambientais, sociais, trabalhistas e agregando valor aos produtos da agricultura familiar com políticas de mercado justo.”
Assim como a Copoam, a Cooperativa dos Produtores Orgânicos de Perpétuo Socorro (Copops), de Uruará (PA), detém a certificação Fairtrade (comércio justo), que, concedida pela Fairtrade Labelling Organizations (FLO), sociedade comercial sem fins lucrativos, tem como meta garantir a equidade no comércio internacional. A iniciativa congrega responsabilidade social, sustentabilidade e competitividade para pequenos e médios produtores. “Para uma cooperativa, é complexo atender a todos os requisitos do mercado. A central vai viabilizar a parte comercial e burocrática”, informa Raimundo Silva, coordenador administrativo da Copops.
Silva lembra que muitos produtores orgânicos atuaram no passado em madeireiras ilegais e buscaram no cultivo de cacau orgânico um meio digno de sobrevivência. “O orgânico valoriza o produto do ponto de vista social, ambiental e econômico”, avalia o filho de maranhenses. “Nasci aqui, sou orgânico de natureza”, brinca ele, que luta pelo fortalecimento do cooperativismo na região.
Vronske, que produz o próprio adubo com função repelente a partir de cinzas, folhas e esterco, busca transmitir o que aprendeu. “Não temos reciclagem, por isso cuidamos para o lixo não ir para a água, separamos vidros e plásticos. Mas é um processo lento conscientizar as famílias”, desabafa. Para o catarinense, é uma satisfação compartilhar conhecimento. “Não tenho palavras para agradecer a experiência com os mais carentes, ensinar a metodologia do cultivo orgânico. Quando cheguei aqui, não havia nem uma bicicleta, era só aquela terra roxa, o cheiro de mato. O que tenho hoje compensa o sacrifício”, comemora.
A milhares de quilômetros de Vronske, o citricultor Rohr é só alegria: “Se pudesse, levava a satisfação que sinto a todos os pequenos agricultores familiares do mundo. Mostraria como estamos felizes com os resultados ambientais, econômicos e de saúde. A natureza tem toda a capacidade para produzir, a gente só precisa saber observar e ajudar. Quero deixar o melhor para quem vem depois. Isso vale muito mais que o dinheiro”.