Barbeiro de Alagoas

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Vivemos um momento da nossa história em que a profusão de  casos é uma realidade imperiosa. Desde escândalos, como a  atuação política duvidosa de membros do alto escalão de nossos poderes constituídos até as peripércias amorosas de políticos proeminentes, culminando com as questões da aviação civil, são assuntos que vêm há mais de um ano habitando as páginas dos jornais. Denúncias e réus surgem a todo o momento. Há uma crise de identidade ética.

Indignado como toda a sociedade brasileira, o cooperativismo, apesar de tudo, acredita que o país tem solução, mesmo no dia da decisão sobre a vida política do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que pode ser comparada à ópera de Rossini. Fígaro arruma casamento e pode até participar de casos extraconjugais. Ouve confissões, espalha notícias e vai tocando a vida. Certamente, pelo menos em parte, era isso que Pierre Augustin Caron de Beaumarchais engendrou para Fígaro, Rosina etc, na peça O barbeiro de Sevilha. Como no teatro, na vida cotidiana, outros vão sendo Paisiello, Gioachino Antonio Rossini, com sua maior ópera, e, recentemente com menor brilho, Renan, com a opereta da quebra de decoro parlamentar. O presidente do Senado encarna o universo de Almaviva (Prevenção útil ou O barbeiro de Sevilha, esta obra máxima de Rossini). Renan não foi castrado, como queria o tio de Rossini para que continuasse com a voz de soprano e fosse fonte de renda para a família. Transformou em realidade os desejos daquele. Virou fonte de renda para o clã.

Renan repete a cada denúncia a cantilena do barbeiro ao terminar o corte. Pega o espelho, leva-o à nuca do cliente e pergunta se ficou bom. Ora, o que responder? Se o corte não ficou como o desejado, o que reclamar? É possível conserta-lo colando cada fio de cabelo? É nesse labirinto que se embrenhou o cliente-barbeiro das Alagoas. Barbeiro, na gíria e nos dicionários, é quem dirige mal. Não é preciso colidir, atropelar nem despencar na ponte ou viaduto. Basta ser um dirigente que fere a ética, o chamado decoro seja de que natureza for. E agora, ao contrário do cooperativismo, lutam alguns pelo corporativismo para a sessão de julgamento, que poderá ser secreta. No cooperativismo, tudo é feito às claras, sem sessões secretas e sem o medo de assumir posições. Não há corporativismo, mas cooperação.

Como cliente dos favores que o barbeiro oferece, o senador, com sua calvície ampliando-se pelas últimas barbeiragens, não pode reclamar. Caso extraconjugal, relutância em admitir a paternidade, (des)decoro de amiziar-se a lobista para efetuar o pagamento da pensão, criação de fantasmas que esvaziam os pastos das fazendas como vampiros vorazes, mas supervalorizando as arrobas, produtor de laranja para adquirir veículos de comunicação sem ser adepto da máxima da homeopatia – símilis similibus curantur (os semelhantes se curam pelos semelhantes).

Renan, diante de protestos de seus pares e da reação que exige ética e transparência é, ao mesmo tempo, o cliente que não soube escolher o barbeiro, e o barbeiro que não se aprimorou no desempenho de sua arte. Esse hermafrodita da política e do coronelismo escafedeu-se. Cavou a própria sepultura, mas reluta em ser colocado no caixão para o destino final: o sepulcro caiado em que as casas legislativas estão se transformando, com o risco de o mal se alastrar por outros organismos nacionais, caso a sociedade por seu direito e dever de sobrevivência, não reaja aos efeitos renanianos, dos mensaleiros, dos responsáveis pelo tráfego aéreo, da segurança pública, da saúde, da educação, etc. A cada corte de cabelo, os fios vão se misturando na toalha e no piso, dificultando a investigação de crimes evidentes. Enfim, brinda-se o ilegal, o silêncio, a impunidade e a imoralidade, enquanto são blindados o silêncio, a conveniência e a consciência.  

* Vice-presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e presidente do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg).

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