Cooperativismo é instrumento de ressocialização no Pará

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Belém (14/9) – Passando o km 9 da BR 010, em São Miguel do Guamá, é possível encontrar a barraca da dona Edinelma do Espírito Santo, bem à beira da pista. Ela vende de tudo, de farinha a peças de artesanato. Quem vê o sorriso de tranquilidade no rosto da microempreendedora nem imagina que sua vida foi interrompida pelo crime. “Passei dois anos e sete meses presa por tráfico de drogas. Foram momentos muito difíceis, até porque tive que deixar meus sete filhos. Infelizmente, me envolvi com o tráfico por necessidade e não percebi o quanto minha escolha iria me prejudicar”, relembra.

Edinelma foi encaminhada para o Centro de Recuperação Feminino, no município de Ananindeua. Mesmo dentro da prisão, ela encontrou um caminho para retornar à vida social: o cooperativismo. “Para passar o tempo, eu e minhas colegas de cela fazíamos tricô, jogos de tapete em crochê, toalhas bordadas, bonecas de pano. Quando a diretora da unidade penal viu a qualidade dos nossos produtos, ela se encantou. Então eu e mais seis mulheres formamos a Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora (Coostafe)”.

Hoje, a iniciativa de Edinelma já contagiou diversas outras presidiárias que formam a cooperativa. Cerca de 30 mulheres produzem artesanatos como pelúcias, crochê, vassouras ecológicas, sandálias e bijuterias, em um galpão próximo à carceragem.

De acordo com Carmem Botelho, Diretora do CRF de Ananindeua, o número de cooperadas só não é maior por falta de estrutura. Ela conta ainda que as antigas cooperadas que conseguiram a liberdade, como Edinelma, continuaram desempenhando a atividade comercial de forma autônoma.

“As detentas que iniciaram os trabalhos da Coostafe conseguiram a liberdade e, graças a Deus, não tivemos retornos à unidade penal. Pelo contrário, elas já estão se organizando sozinhas. Temos algumas com desejo de constituir cooperativas em municípios como Paragominas, Santarém e São Miguel do Guamá. Estamos acompanhando e vamos auxiliar no que pudermos. É muito bom saber que a Coostafe está criando verdadeiras empreendedoras”.

A iniciativa tanto deu certo que a cooperativa já está articulando outros projetos de profissionalização para as presidiárias. Em 2016, o plano é implantar o Curso técnico Profissionalizante em Cooperativismo e Empreendedorismo. Será o primeiro curso técnico realizado em uma unidade penal no Brasil.

“Quando saem do presídio, elas enfrentam muito preconceito. Ninguém quer contratar uma pessoa com ficha criminal e até por isso há muitos casos de recaídas. Nosso objetivo é possibilitar uma oportunidade de capacitação para que elas se tornem seus próprios empregadores. Para que consigam desenvolver seu próprio empreendimento. É uma esperança de emprego, trabalho e renda”, completa Carmem.   

Toda a produção da cooperativa é comercializada aos domingos em feiras de artesanato em Ananindeua, na Praça da Bíblia, e em Belém, na Praça da República. Nas feirinhas é possível comprar acessórios, como chinelos e chaveiros, peças de vestiário, além de vasos, bonecas de pano, panos de prato, tapetes e canetas personalizadas, entre outros. A renda adquirida com o comércio é dividida em três partes: pagamentos, compra de material e remuneração compartilhada. 

Além de ser uma alternativa de renda, o trabalho na Coostafe acelera a reabilitação das detentas. De acordo com o Código Penal, cada dia de atividade é um dia a menos na cadeia. “É impressionante o quanto o cooperativismo já contribuiu para transformar a realidade dessas mulheres. A OCB/PA vem acompanhando a cooperativa desde o seu início. Fazemos um trabalho continuado de capacitações, mostrando pra elas o potencial empreendedor cooperativista. Só em setembro, estão previstos quatro cursos: o de primeiras lições em cooperativismo, conselho fiscal, conselho administrativo e Governança Cooperativista. Nosso propósito é fazê-las compreender que são realmente empresárias e que podem mudar de vida se quiserem”, afirma o presidente do Sistema OCB/PA, Ernandes Raiol.

PREMIAÇÃO – A iniciativa das detentas já teve até reconhecimento nacional. Em 2014, a Coostafe foi uma das três finalistas do Prêmio Innovare, que identifica inciativas pioneiras na esfera do judiciário. A cooperativa recebeu menção honrosa.

As peças criadas pela Coostafe em breve poderão ser encontradas também em um shopping da capital, onde a cooperativa terá um quiosque próprio. Por enquanto, Edilene continua comercializando suas peças à beira da BR 010, em São Miguel do Guamá.

“Na Coostafe, eu recuperei a liberdade e, sobretudo, a dignidade. Hoje eu ando com a minha cabeça erguida. Pedi desculpas para os meus filhos e agora estamos juntos. Comprei uma máquina pra mim, montei minha barraca e já estou cheio de encomendas. Estou sendo convidada para mostrar meus produtos em várias exposições e estou precisando de ajuda para dar conta de tudo. Meu jogo de mantimento de lata tá fazendo o maior sucesso aqui em São Miguel. Deus mudou minha vida e estou muito feliz por isso!”. (Fonte: Assimp Sistema OCB/PA)

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