Dívidas agrícolas e sua história

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No dia 31/10/2005, o governo federal tornou-se o responsável por uma das maiores irregularidades da história. Agricultores brasileiros que tiveram frustrações de safra, correção monetária e juros exorbitantes, a falta de uma política agrícola que garantisse sua renda, associado à política cambial do dólar, que jogou os preços agrícolas abaixo do custo de produção, tornou milhares de produtores, na década de 90 e atual, inadimplentes com o sistema financeiro no Brasil.

Em 1993, o Congresso Nacional criou a CPMI das causas do endividamento agrícola, a mais importante da história da casa, encerrando-se em dezembro do mesmo ano. Presidida pelo deputado Jonas Pinheiro (MT) e relatada por mim, a comissão comprovou que o sistema financeiro debitou irregularmente aos agricultores brasileiros 21 bilhões de dólares em suas contas correntes.

Acreditaram os congressistas que, por determinação da CPMI, se exigiria o recálculo das contas e os bancos, por força de lei, seriam obrigados a devolver esses recursos aos agricultores. Dessa comissão resultou a securitização, o Pesa, o Recoop e outros programas que renegociaram o pagamento dos débitos em até 20 anos.

Silenciosamente, o governo FHC editou a MP 2.196-3, de 24/8/2001 , e negociou as dívidas inchadas dos produtores, sem o recálculo, com o Tesouro Nacional, isto é, quitou o débito dos bancos com o Tesouro através das dívidas superdimensionadas irregularmente, da securitização, Pesa e outras dos agricultores, tornando-os não mais devedores dos bancos e, sim, do Tesouro Nacional.

Cuidaram também, os banqueiros, de convencer o governo que essas operações, quando sofressem algum tipo de atraso nos pagamentos, fossem desclassificadas como de crédito rural, via resolução 2.963, de 28/5/2002, do Banco Central (Bacen), que no inciso 111 do artigo 8° determinou que não se aplica o disposto no MCR 2-6-9 nas compensações negociadas.

Quer dizer, os agricultores não teriam mais prorrogação automática quando por motivo de quebra de safra ou preços baixos, não tendo receita suficiente na venda da sua produção para pagar as dívidas, conforme MCR 2-6-9, ou o parágrafo único do artigo 4° da lei n° 7.843, de 18/10/1989, garante, inclusive com os mesmos juros pactuados anteriormente, conforme lei 9.168, artigo 8°, parágrafo único.

Essa irregularidade custou aos produtores a inadimplência automática no Tesouro Nacional, e seus financiamentos foram desclassificados como crédito rural, transformados em dívida ativa como se fosse uma dívida tributária, com juros e taxas exorbitantes. Como conseqüência, tiveram seus nomes cadastrados no Serasa, sendo obrigados a pagar 100% da dívida no prazo de 90 dias ou arcar com a perda de suas terras.

São milhares de agricultores - calcula-se 300 mil - que estão inviabilizados, desesperados, por ficarem sem acesso a créditos e condenados a terem de abandonar sua atividade e tornarem-se sem-terra. A Comissão de Agricultura do Congresso tenta, desesperadamente, uma negociação para prorrogar, quando justificadas, as parcelas vencidas. O governo resiste, e o impasse está criado.

O Congresso Nacional pode resolver essa situação, aprovando o decreto legislativo PDl 1.619/05, de minha autoria, que anula a resolução 2.963 do Bacen e se justifica por tornar sem efeito um dos atos mais arbitrários e abusivos do Poder Executivo brasileiro, que anulou, por meio dessa resolução do Banco Central, os efeitos da lei 7.843, de 19/10/93, a MP 2196-3, de 24/8/2001, e o decreto 167, de 14/2/1967, que continuam em plena vigência. 

Os decretos legislativos são prerrogativas do Poder legislativo, que podem ser utilizados para anular atos do Poder Executivo que exorbitem sua esfera e desrespeitem a legislação vigente. O decreto legislativo PDl 1.619/05, proposto por mim e por outros deputados, para desespero dos agricultores que estão sendo punidos com a resolução ilegal do Bacen, dorme em alguma gaveta da Câmara dos Deputados em Brasília. Enquanto isso, tira o sono de mais de 300 mil agricultores catarinenses e brasileiros.

A CPMI das causas do endividamento agrícola confirmou a apropriação indébita de 21 bilhões de dólares dos agricultores com dívidas irregulares através de aplicação de indices de correção monetária e juros abusivos em suas contas, aprovou meu relatório por unanimidade pelo Senado e pela Câmara, recomendando o recálculo das obrigações dos produtores, e encaminhou solicitação de providências do Tribunal de Contas, Bacen, Ministério da Fazenda, ministério público, Ministério da Justiça e Presidência da República. O que ocorreu de 1993 para cá?

Nada. Ninguém tomou qualquer"

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