ENTREVISTA DA SEMANA: Carmen Lúcia Botelho
Cooperativismo é ferramenta de resgate da cidadania de detentas no Pará
Brasília (17/12) – Na última Entrevista da Semana, deste ano, o Sistema OCB apresenta um pouco da história da Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora (Coostafe), localizada no Centro de Reeducação Feminina de Ananindeua, região metropolitana de Belém (PA). Com apenas um ano de fundação, a Coostafe já é um exemplo de que o cooperativismo possui o potencial de mudar a vida das pessoas, tornando-as mais felizes, por meio do desenvolvimento social e econômico.
Ontem, a cooperativa recebeu uma Menção Honrosa na categoria especial do XI Prêmio Innovare. Neste ano, o tema da categoria foi “Por um Sistema Prisional Justo e Eficaz”. A diretora do Centro de Reeducação Feminina, Carmen Lúcia Gomes Botelho, idealizadora da cooperativa foi quem recebeu o prêmio. No Informativo de hoje ela fala sobre este trabalho.
Como surgiu a cooperativa?
Carmen Lúcia Botelho - A cooperativa nasceu no final de 2013 com o intuito de dar dignidade às mulheres presas e que não tiveram a oportunidade de aprender uma profissão. Por meio da cooperativa, estamos possibilitando que elas se profissionalizem, conseguindo trabalho, renda e dignidade. Isso tem oferecido a elas o retorno à sociedade com suas cabeças erguidas, sem terem vergonha de seu passado.
O que motivou você a criar a cooperativa?
Carmen Lúcia Botelho - O processo de identificação me fez sair do meu mundo e ver as coisas sob a ótica dessas mulheres. A razão de eu ter iniciado este processo foi pela sensação que eu tinha de que aquelas mulheres estavam mortas-vivas, que apenas acordavam e dormiam, sem qualquer expectativa na vida. Não tinham sonhos. Para mim, poder reparar isso e dar uma perspectiva de ser alguém a uma pessoa que não consegue ver o futuro, é inigualável. O meu melhor presente é vê-las andar de cabeça erguida. Sempre digo: “o passado não pode ser concertado, mas se começarmos agora, podemos fazer um futuro melhor”. O que passou precisa ser utilizado apenas como referencial para não errarmos mais.
Quantas mulheres compõem a cooperativa?
Carmen Lúcia Botelho - Efetivamente, como cooperadas, existem 27 mulheres, mas, no total, 50 detentas passaram pela capacitação do Sescoop/PA. Atualmente, estamos resolvendo questões burocráticas para que essas outras 23 mulheres possam entrar na cooperativa. São problemas como falta de carteira de identidade e até certidões de nascimento. Estamos providenciando essa documentação para a que a Coostafe aumente seu quadro de cooperadas.
Qual a importância do apoio do Sescoop/PA para a constituição e manutenção da cooperativa?
Carmen Lúcia Botelho - Foi fundamental. Partimos do ponto onde não sabíamos nada sobre cooperativismo e, com o auxílio do Sescoop, aprendemos muito. Quando fomos buscar essas orientações, tivermos todo o amparo necessário por parte do Sistema OCB/PA, aqui em Belém.
Praticamente todos os dias nós aprendemos uma coisa nova com o Sescoop, que sempre nos apoia. É importante que se diga que a equipe do Sescoop sempre está conosco, inclusive, dentre da unidade prisional, capacitando as cooperadas.
É sempre assim: nós pedimos cursos e eles prontamente nos atendem. É uma parceria que não tem igual. Até agora, todos os passos da Coostafe têm sido dados com o total amparo do Sescoop. Fico muito feliz de poder contar com a ajuda do Sescoop.
O que a cooperativa produz e como são feitas as vendas?
Carmen Lúcia Botelho - O trabalho é totalmente artesanal. São produzidos artigos de tapeçaria, crochê, de decoração, customizamos roupas e fabricamos vassouras de garrafas pet. O pool de produtos varia de acordo com aquilo que o cliente necessita. As detentas em regime semiaberto participam de três feiras na região metropolitana de Belém. Com isso, as pessoas veem os produtos e fazem suas encomendas diretamente com elas. Outra forma de conhecer o trabalho é visitando a nossa unidade.
O que é feito do resultado obtido com as vendas?
Carmen Lúcia Botelho - O dinheiro é dividido em três partes: a primeira é destinada à compra de mais material; a segunda, dividida entre elas em partes iguais; e, o restante, direcionado aos investimentos. Isso surgiu depois de um dos cursos do Sescoop/PA. Elas viram a necessidade de comprar máquinas, por exemplo, e sabem que o produto precisa alcançar um maior número de pessoas. Então, sem maquinário, isso não será possível, nem em qualidade e nem em quantidade.
Além da formação profissional e do resgate da cidadania, as mulheres cooperadas têm algum outro benefício?
Carmen Lúcia Botelho - Sim. Elas têm a remissão de suas penas. A Lei de Execução Penal prevê que a cada três dias trabalhados, a pena seja diminuída em um dia. Além de serem empresárias, também podem sair mais cedo da unidade prisional.
Como foi o processo de registro na Junta Comercial do Pará?
Carmen Lúcia Botelho – Foi bem difícil de explicar à Junta Comercial que a cooperativa, embora leve em seu nome a palavra Trabalho, ela pertence ao Ramo Especial. Nem eles sabiam como enquadrar a cooperativa. Apenas diziam que não podiam registrar daquela forma. Fomos várias vezes. Foi uma quebra de paradigmas, eu diria. Levamos muitos documentos, amparados na lei; nos reunimos diversas vezes com o presidente da Junta; o Sistema OCB/PA foi convocado para explicar os aspectos legais do setor; foi um vai-e-vem de certidões.
O comprovante de residência das futuras cooperadas também foi outro problema. Se elas estavam custodiadas, como é que poderiam ter um endereço fora da unidade? Não havia essa possibilidade. Então fizemos uma declaração de residência temporária. Eu mesma declarei que elas estavam sob a minha custódia. Todo o processo demorou muito, mas no fim conseguimos a documentação necessária para funcionar.
Quais os próximos passos da cooperativa?
Carmen Lúcia Botelho - O trabalho, certamente, é uma ferramenta que vai levar as cooperadas a terem a felicidade de ser as gestoras do próprio lar, por exemplo, sustentando suas famílias. Temos alguns casos de presas que saíram da unidade, mas que continuam sendo cooperadas. Para 2015, a meta é levar filiais da Coostafe para outros municípios do Pará. Já há uma grande expectativa nessas cidades pela expansão da cooperativa.
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