Profissão com futuro
Brasília (11/2/20) – Em tempos de intensa evolução tecnológica, aumento de desemprego e incertezas em relação ao futuro do mercado de trabalho, existe um setor da economia com potencial para empregar muitos brasileiros nos próximos anos: o da cooperação.
Existem hoje, no Brasil, ao menos 17 cursos de nível superior com o foco no cooperativismo, distribuídos em instituições públicas e particulares, presenciais ou a distância. E quem se forma com louvor sai da faculdade com um canudo em uma das mãos e uma proposta de emprego na outra. “A demanda por profissionais com graduação em cooperativismo é maior do que a nossa universidade consegue formar”, confirma Pablo Albino, um dos coordenadores do curso de Administração de Cooperativas, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Segundo ele, dos 15 alunos que se formaram no primeiro semestre de 2019, todos estão trabalhando. “Eu recebo pedido do setor para encaminhar bons currículos para as vagas e hoje não tenho para atender”, lamenta o professor.
O curso de cooperativismo da UFV é o mais antigo do Brasil. O projeto nasceu nos anos 1970, por meio do extinto Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a missão de capacitar a mão de obra das cooperativas. Era um curso com formação de nível técnico, até ser promovido, em 1991, a bacharelado em Administração com habilitação em Administração de Cooperativas. De lá para cá, foram muitas mudanças no currículo e no próprio nome do curso — mas manteve-se a missão de formar profissionais com os valores do cooperativismo totalmente internalizados.
“No primeiro ano do curso, a gente toma muito cuidado para que o aluno entenda onde está entrando. Explicamos o que é o cooperativismo, o levamos para visitar uma cooperativa, e também a Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (OCEMG).
É como uma imersão. O legal é que, ao conhecer os valores e os princípios do cooperativismo, o aluno se apaixona e fica”, conta Albino.
De acordo com o docente, boa parte dos alunos chega sem conhecer nada sobre o movimento. “Dos 40 que entram, metade queria fazer outro curso, mas escolheu Cooperativismo por ser menos concorrido. Porém, quando começam a conhecer a realidade das cooperativas, ficam cativados pelas possibilidades de crescimento do setor”, explica.
Foi exatamente isso o que aconteceu com Geâne Ferreira, gerente de desenvolvimento social do Sistema OCB. Ela entrou no curso de cooperativismo da UFV com a meta de pedir transferência para Administração de Empresas, mas logo no primeiro semestre descobriu que sua vocação era cooperar. “O curso de cooperativismo traz uma preocupação com as pessoas e a organização coletiva. Tem toda a estrutura de Administração, mas com esse gostinho a mais, que é a preocupação com o ser humano”, destaca.
O curso de Cooperativismo da federal de Viçosa tem duração de quatro anos e meio, com disciplinas como administração, direito, sociologia, contabilidade e várias cadeiras que abarcam as teorias cooperativistas. “Temos o caso de um aluno que saiu, foi para a engenharia e voltou. Ele experimentou e viu que era no cooperativismo que tinha que ficar, porque é mais humano, respeita mais as condições das pessoas. E é mais divertido”, compara Pablo.
FORMAR PARA O SISTEMA
Se Minas Gerais foi o berço do primeiro curso superior em cooperativismo, o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a ter uma instituição de ensino superior voltada exclusivamente para o movi - mento. A Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop) foi fundada em 2011 e já formou mais de 100 tecnólogos em Gestão de Cooperativas.
A instituição é uma iniciativa do Sescoop-RS e, por essa razão, a maior parte dos alunos já têm vínculos com cooperativas, seja como colaboradores ou cooperados. A Escoop também oferece cursos de pós-graduação (especializações e MBA).
“Nossos alunos são associados, conselheiros, dirigentes e colaboradores de cooperativas, com faixa etária média de 30 a 40 anos”, aponta Paola Londero, coordenadora de pós-graduação da instituição. Os ramos crédito e saúde, além do agropecuário, são os mais presentes nos cursos de formação. Apesar do foco no cooperativismo gaúcho, a instituição já ofereceu cursos de Gestão de Cooperativas na Bahia, no Ceará e no Pará.
Seguindo o mesmo modelo, há ainda o Icoop, em Cuiabá (MT), e a Faculdade Unimed, com sede em Belo Horizonte (MG), nascidas com o DNA da cooperação. Ambas disponibilizam cursos de Gestão de Cooperativas, além de programas de pós-graduação e outras capacitações de curta duração. No caso da Unimed, além do foco em cooperativismo, há especializações focadas no ramo saúde, como o MBA em Administração Hospitalar.
“Considerando-se que o ensino superior, em geral, não contempla o cooperativismo adequadamente na formação das carreiras, a compreensão das características peculiares das cooperativas é extremamente relevante”, destaca Mário de Conto, diretor-geral da Escoop.
DIPLOMA VALORIZADO
No último ano dos cursos superiores de cooperativismo, o estágio obrigatório é mais uma oportunidade de contato com o cooperativismo na prática. As coordenações dos cursos têm firmado convênios com diversos entes do sistema para proporcionar vivências diversas aos alunos. Atualmente, há dois estudantes da UFV estagiando no Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Acre (Sescoop-AC) e, em 2020, dez irão para a unidade do Rio de Janeiro. Ao fim do estágio, muitos acabam sendo convidados a ficar. Foi assim com Thiago Freitas, analista técnico e econômico do ramo transporte na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Ex-aluno da federal de Viçosa, ele se formou em 2008 e não ficou nem uma semana desemprega - do: colou grau em um sábado e na semana seguinte iniciava a primeira experiência profissional na OCB-MS.
“O aluno tem possibilidades muito grandes de locais para trabalhar. Aqueles que entendem isso ficam no curso. A oferta de trabalho nos últimos anos cresceu de forma exponencial. A gente brinca que só não trabalha depois de formar quem não quer”, diz Thiago. Com o canudo debaixo do braço, as possibilidades são múltiplas: trabalhar diretamente em uma cooperativa, nas unidades estaduais do Sistema OCB, prestar consultorias ou seguir carreira acadêmica. Este último caminho é o que tem feito brilhar os olhos de Murilo Sena Baiero, 22 anos, que se forma no próximo ano pela UFV.
“Estou desenvolvendo um projeto de pesquisa com professores do curso sobre uma proposta para a atualização do marco regulatório do cooperativismo. Por meio de uma metodologia participativa, estamos buscando entrevistar membros das cooperativas do Brasil inteiro sobre a eficiência da lei”, explica.
Murilo é mais um caso de quem entrou no curso sem conhecer o cooperativismo e logo se apaixonou. “Uma opção é seguir o mestrado, mas eu também gostaria de atuar no Sescoop, para ter um contato próximo com as cooperativas e conhecer melhor todos os ramos”, planeja.
PÓS-GRADUAÇÃO
A pós-graduação tem sido a alternativa buscada por muitos entes do sistema para capacitar funcionários e cooperados que já têm diploma de ensino superior em outras áreas, mas necessitam de uma especialização para a gestão cooperativa. No Paraná, o Sescoop atua há alguns anos no apoio aos cursos de pós-graduação. Maria Emília Pereira, gerente de Desenvolvimento Cooperativo do Sescoop/PR, aponta que, em média, são 40 turmas in company por ano. Foi então que a entidade decidiu dar o próximo passo.
“Percebemos que o direcionamento era muito maior para assuntos técnicos de determinadas áreas, como agronegócio, gestão de projetos e de qualidade. Faltava capacitar gestores de cooperativas para trabalhar em um nível maior de governança. Como já tínhamos um público grande formado em pós, por que não elevar o nível da formação para o mestrado?”, lembra. Foi aí que surgiu o mestrado profissional em Gestão de Cooperativas, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR). O curso teve início em 2014 e já está na quinta turma. Maria Emília participou do primeiro grupo de mestrandos e fala com propriedade sobre os resultados alcançados com o programa.
“O fato de você colocar pessoas discutindo questões estratégicas de cooperativas de diferentes realidades e ramos traz uma riqueza de contribuições para a sala de aula. O primeiro ganho é a oportunidade da troca em nível estratégico, porque o mestrado acaba elevando o nível de discussão dos alunos”, afirma. Outra vantagem — aponta — é a possibilidade de ampliar a produção acadêmica sobre o cooperativismo.
“Percebi como nós éramos fracos em produção de conteúdo científico, artigos, estudos. A realidade do cooperativismo é diferente; você vai avaliar a partir dos estudos produzidos sobre em - presas, e é completamente diferente. Faltava embasamento e, com isso, contribuímos para essa construção”, destaca.
O mestrado profissional é uma modalidade ainda pouco popularizada no Brasil — eram cerca de 700 programas em funcionamento até 2017. Ele tem duração média de dois anos e é voltado para a capacitação de profissionais nas diversas áreas do conheci - mento. O formato é stricto sensu — assim como o mestrado e o doutorado —, mas com um perfil mais direcionado para atender alguma demanda do setor produtivo. No curso da PUC-PR, apesar de a chamada de seleção ser pública, o perfil dos alunos é de quem já trabalha no sistema, seja como funcionário de cooperativa ou cooperado. De acordo com Emília, a formação em nível de pós-graduação é uma demanda que chega ao Sescoop pelas próprias cooperativas.
“As cooperativas nos procuram muito com a preocupação de desenvolver essa formação de nível superior dos seus funcionários. A gente percebe esse comprometimento e o desafio de qualificar. Elas querem investir em um funcionário mais bem preparado em nível acadêmico para trazer melhores resultados”, diz.
DIFERENCIAL
O sistema cooperativista — seja na ponta ou nas unidades estaduais da OCB — oferece oportunidades de trabalho para profissionais formados nas mais variadas áreas. Mas quem está em contato direto com a formação em nível superior para o cooperativismo aposta que ela é um diferencial para o quadro funcional.
“As sociedades cooperativas são empreendimentos com identidade própria e são bem diferentes das empresas mercantis. Nossa identidade está baseada em valores e é traduzida em princípios propostos há mais de um século. Os profissionais que vivenciam esse DNA cooperativo, que têm formação superior na área, compreendem nossas especificidades e atuam de uma maneira muito mais destacada. Isso faz toda a diferença quando eles estão dentro de uma cooperativa”, aponta Ronaldo Scucato, presidente da OCEMG.
A organização é uma das principais empregadoras dos alunos que se formam no bacharelado em cooperativismo da UFV. Scucato aponta, na prática, quais são as habilidades desse profissional. “Eles compreendem, de maneira aprofundada, a importância de um quadro social bem organizado, da realização e participação das assembleias, os conceitos de gestão e governança para atender aos anseios do cooperados, bem como o foco na eficiência do negócio”, enumera.
O professor Pablo, da coordenação do curso da UFV, diz que o retorno recebido dos empregadores é positivo, e por isso a instituição é constantemente procurada para a indicação de profissionais para ocupar vagas no sistema. “O aluno tem uma formação conceitual muito densa. Ele pode estagiar nas cooperativas, tem a oportunidade de ganhar experiência na nossa empresa júnior, mas a competência em termos teóricos é o nosso diferencial”, aponta. Ele conta que o ramo de crédito é um dos que mais procuram os egressos do curso.
“Recebi o feedback do Sicoob de que ainda contrata ex-funcionários de bancos, mas que é muito difícil ensiná-los o que é uma cooperativa, que o cooperado não é um cliente, é um dono, e por isso a abordagem precisa ser diferenciada. Para o ramo, é melhor ter o cara que tem formação em cooperativismo, e que ele aprenda as questões bancárias no sistema do Sicoob”, compara.
Um dos desafios — apontam todas as pontas do sistema — é tornar os cursos mais conhecidos e valorizar os egressos. O presidente da OCEMG lamenta que ainda haja muitos profissionais atuando em cooperativas sem conhecimento da doutrina. “Os formandos da UFV possuem um cabedal próprio para atuarem como agentes pedagógicos para o grupo que desconhece nossa utilidade, e não sabe de onde viemos, por onde passamos, onde estamos e nem o que pretendemos para o futuro”, compara.
CURSOS TECNOLÓGICOS: O QUE SÃO?
Os cursos superiores de tecnologia ou graduações tecnológicas são cursos de graduação plena como quaisquer outros de licenciatura ou bacharelado. Seus diplomas têm validade nacional. Em geral, eles têm menor duração (em média, entre dois e três anos) e a formação é focada em desenvolver competências profissionais mais específicas, voltadas para demandas do mercado de trabalho. De acordo com o último Censo da Educação Superior, as matrículas na modalidade cresceram quase 10% entre 2017 e 2018, e já representam 21% do total de ingresso. São mais de 1 milhão de alunos em cursos superior de tecnologia em todo o país.
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
- Cooperativismo
• Modalidade: Bacharelado
• Presencial
• 3.270 horas
• 4 anos e meio
• Público
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
- Gestão de Cooperativas
• Modalidade: Tecnológico
• Presencial
• 1.840 horas
• 3 anos
• Público
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
- Gestão de Cooperativas
• Modalidade: Tecnológico
• 1.900 horas
• 3 anos
• Público
Centro Universitário de Maringá (Unicesumar)
- Gestão de Cooperativas
• Modalidade: Tecnológico
• A distância
• 1.880 horas
• 2 anos
• Particular
Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijui)
— Gestão de Cooperativas
• Modalidade: Tecnológico
• Presencial
• 1.650 horas
• 2 anos e meio
• Particular
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
- Gestão de Cooperativas
• Modalidade: Tecnológico
• A distância
• 1.680 horas
• 2 anos
• Particular
Faculdade Unimed
- Gestão de Cooperativas
• Modalidade: Tecnológico
• Presencial
• 2.040 horas
• 2 anos e meio
• Particular
(Fonte: Revista Saber Cooperar)