Projeto da Conaprole no RS pode "migrar" para os EUA
A Conaprole, maior indústria de laticínios do Uruguai, ameaça levar os investimentos de US$ 50 milhões em uma fábrica no Rio Grande do Sul para os Estados Unidos. Em disputa política com produtores nacionais de lácteos, a quase centenária cooperativa uruguaia reclama do tratamento "discriminatório" e rejeita qualquer acordo para limitar suas vendas ao Brasil.
"Estávamos pensando em abrir a fábrica no Brasil, mas hoje isso é uma interrogação. Quem sabe, fazemos nos Estados Unidos", insinua o gerente-geral da Conaprole, Ruben Núñez. "O mais grave é que temos operações no Brasil há 20 anos e ajudamos a desenvolver o leite de vocês aceitando visitas e repassando conhecimento". A Conaprole mantém um centro de distribuição em Ivoti (RS) e ergueria uma unidade para processar 1 milhão de litros por dia no país.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou, em agosto, limitação das importações uruguaias a 10 mil toneladas até outubro a preços mínimos iguais ou superiores aos praticados na Oceania. No primeiro semestre deste ano, indústrias brasileiras importaram 13,9 mil toneladas de leite em pó uruguaio - em 2008, foram 1,7 mil toneladas em igual período.
Em meio aos negócios da maior feira mundial de alimentos e bebidas (Anuga), na Alemanha, o dirigente da Conaprole rejeitou acordo com produtores ou industriais locais para reduzir embarques ao mercado brasileiro. "Não há acordo. É absolutamente falso. Nos propuseram e rejeitamos de maneira veemente", afirma Núñez. "O acordo é o Mercosul. Isso não vale? Não tem acordo e não terá acordo porque o Brasil não usa salvaguarda, mas uma trava administrativa". A cooperativa processa 2,7 milhões de litros de leite por dia.
Os uruguaios queriam a liberação imediata das licenças de importação para vender ao Brasil. A Camex optou por uma "solução política". Atendeu a pressão de produtores e cooperativas nacionais e agradou o governo uruguaio, que dependia dessa boa vontade para ajudar o candidato oficial do atual presidente Tabaré Vázquez e ex-ministro da Agricultura, o senador tupamaro José "Pepe" Mujica, nas eleições deste fim de semana. "É uma visão míope, um erro estratégico do Brasil", acusa Ruben Núñez. "Somos uma cooperativa e iríamos desenvolver a bacia leiteira e o setor no Brasil".
A Conaprole já havia adiado o investimento com o estouro da crise econômica. Mas a disputa política ameaça resvalar nas relações bilaterais. "É um erro político não fazer do Uruguai um parceiro mais forte. Um acordo com a União Europeia em derivados de leite é crucial para o Mercosul. Isso será mal para o futuro do Mercosul porque líderes têm que ser generosos".
A decisão da Camex, que deu condições mais favoráveis aos uruguaios do que o acordo privado fechado com exportadores argentinos, está condicionada à resolução de problemas com o frango brasileiro, discriminado por alegadas questões sanitárias. O Itamaraty trata do tema com reserva. O governo entende que as importações uruguaias não prejudicam a produção interna, mas podem abrir brechas para contestações argentinas e destruir o acordo de limitações de volumes. O Brasil importa 480 mil toneladas anuais de leite em pó, mas apenas 59 mil partem dos dois parceiros do Mercosul. (Fonte: Valor Econômico)