STF debate o funcionamento do Fundo do Clima
Brasília (23/9/20) – O ministro Luís Roberto Barroso conduziu nestas segunda e terça-feira (21 e 22/9), no Supremo Tribunal Federal, uma audiência pública para debater a captação de recursos para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo do Clima) e a forma de usá-los em políticas públicas voltadas à preservação ambiental no Brasil.
A audiência foi convocada para fundamentar a decisão a ser tomada pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, em que o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Rede Sustentabilidade apontam omissão do governo federal por não adotar providências para o funcionamento do Fundo do Clima, bem como diversas outras ações que estariam levando a uma crise ambiental, com implicações na questão da mudança climática, do aquecimento global e dos impactos que promovem sobre o meio ambiente.
Na abertura da audiência pública, o ministro Barroso destacou a necessidade de se debater de forma plural a questão do aquecimento global, decorrente do efeito estufa, e das mudanças climáticas, indicados como principais problemas ambientais vividos em todo o planeta. Afirmou que o desenvolvimento sustentável é o conceito central em matéria de mudança climática, meta buscada por todos os países. Nas palavras do Ministro, "o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades".
O ministro Barroso frisou, ainda, que a audiência não é contra nem a favor de qualquer corrente, mas um instrumento plural para que se alcance informações adequadas sobre a realidade fática vigente. "É uma audiência em favor de todos, do Brasil e da Constituição e não, e em nenhuma hipótese, contra ninguém".
PARTICIPANTES
Participaram das discussões, por videoconferência ou presencialmente, representantes do Legislativo, ministros de Estado, especialistas em clima, empresários, acadêmicos, institutos de pesquisa e outros representantes de organizações da sociedade civil e de povos da floresta.
A OCB também foi convidada para prestar sua contribuição na audiência pública, reafirmando a compreensão do STF quanto à ampla representatividade do cooperativismo, inclusive em temas que envolvam o debate sobre sustentabilidade e produção.
A audiência foi dividida em dois dias, em virtude da quantidade de participantes, com as apresentações organizadas em blocos pelo ministro Luís Roberto Barroso.
PRIMEIRO DIA DE EXPOSIÇÕES
No primeiro dia do evento, participaram das discussões, pela manhã, um conjunto de autoridades públicas, como o presidente da Câmara dos Deputados e diversos ministros de Estado, que puderam expor as iniciativas e práticas que têm sido colocadas em efeito pelo governo na área.
A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, relembrou as iniciativas do governo para que a agricultura nacional esteja cada vez mais aliada à pauta sustentável. Cristina mencionou a regularização ambiental por meio dos Cadastros Ambientais Rurais e os programas de investimentos verdes como o Plano ABC.
“A produtividade representa a chave para que a agropecuária brasileira continue a crescer em sintonia com a conservação do nosso valioso patrimônio ambiental. O Brasil utiliza hoje 30% do seu território para a agropecuária e mantém mais de 66% com a vegetação nativa. Estima-se que cerca de 25% dessa área se encontre em propriedades privadas, algo sem paralelo em outros países do mundo”, comparou Tereza Cristina.
Na parte da tarde, foram ouvidos depoimentos de representantes de instituições como o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e institutos de pesquisa e de atuação na área ambiental (Greenpeace, Human Rights Watch, Conectas, Transparência internacional, WWF, Nature Conservacy, dentre outros).
SEGUNDO DIA DE EXPOSIÇÕES
No segundo e último dia do evento, foram feitas exposições, pela manhã, de professores e estudiosos da questão ambiental e da questão econômica associada ao meio ambiente. Participaram do evento diversos pesquisadores e professores de instituições acadêmicas nacionais e internacionais.
Na visão geral dos acadêmicos que tiveram direito de fala durante a manhã do dia 22/09, foram apontadas diversas ações e omissões na área ambiental que estariam levando a uma situação de retrocesso e de desproteção em matéria ambiental, com implicações na questão da mudança climática, do aquecimento global e dos impactos que promovem sobre o meio ambiente.
No período da tarde, foram ouvidos expositores indicados por diversas frentes de atividades empresariais relacionadas à Amazônia.
Merece destaque a participação do representante do cooperativismo e da OCB na audiência, o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, coordenador de agronegócios da FGV e embaixador da FAO para as cooperativas, Roberto Rodrigues.
Roberto Rodrigues tratou da interface entre segurança alimentar (e segurança do alimento) com os aspectos de proteção da qualidade do meio ambiente, considerando o contexto global atual e futuro, a partir do papel que está sendo (ou pode ser) desempenhado pelo Brasil em tal cenário, como país que congrega, concomitantemente, destacada e desafiadora posição de liderança mundial na produção de alimentos e também reúne uma das principais biodiversidades do planeta.
“O agronegócio brasileiro profissional é a favor da legalidade em todo setor e em todos os segmentos. [...] Com o cooperativismo, não é diferente. O cooperativismo é um movimento global que tem mais de três séculos de idade enquanto doutrina. [...] O cooperativismo tem mais da metade da população do mundo ligada diretamente a esse movimento doutrinário, que no Brasil é representado pela OCB com muita competência. [...] o cooperativismo é um instrumento que traz a inclusão social para pessoas, produtores, instituições que sem a condição de agrupamento dificilmente teriam condições de escala para avançar no mercado interno e internacional. [...] é fundamental que o Brasil mostre ao mundo todo que temos uma agricultura sustentável de fato e que os erros e ilegalidades precisam ser corrigidos”
ENCERRAMENTO
No encerramento da audiência pública, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o objetivo da reunião foi conhecer os fatos e as diferentes perspectivas envolvidas. “O mundo comporta diversos pontos de observação, e a verdade não tem dono, embora a mentira deliberada tenha”, assinalou. “Um de nossos esforços aqui foi identificar narrativas que não têm apoio nos fatos”.
Barroso destacou ainda que, a partir das apresentações, é possível extrair alguns fatos objetivos e incontroversos, entre eles o de que o desmatamento ilegal e as queimadas causadas por ação humana cresceram expressivamente em 2019 e, “ainda mais” em 2020. Ainda segundo o ministro, os relatos permitem constatar uma redução significativa na fiscalização e no número de autuações por infrações ambientais, conforme reconhecido pelo presidente do Ibama, ainda que com divergência quanto às causas.
Outro fato constatado pelo relator foi que, até a propositura da ADPF 708, o Fundo Clima não havia aprovado o plano de investimento nem alocado seus recursos nas finalidades legais. Barroso observou que o ministro do Meio Ambiente justificou a demora e assegurou que a omissão já teria sido sanada.
O ministro frisou ser consenso que o Fundo Clima, ao viabilizar estudos, projetos e empreendimentos de preservação da floresta, tem papel importante no atingimento das metas de redução de emissões assumidas pelo país. Observou, ainda, a constatação de que não há incompatibilidade entre a preservação da floresta e o agronegócio e que ambos são prejudicados por atividades ilegais. “Para resolvermos nossos problemas, precisamos fazer diagnósticos corretos, e não criar uma realidade imaginária paralela. Olhando para frente, todos, governo, ONGs, acadêmicos e empresas, têm a posição de que a floresta de pé vale mais que a derrubada”, concluiu.
O sub-procurador-geral da República, Juliano Baiochi Villa-Verde de Carvalho, e o advogado-geral da União, José Levy do Amaral, também destacaram a importância da audiência para embasar a decisão do Supremo na ADPF 708.