A incrível história do menino que virou banqueiro
Dinheiro, finanças e poupança são assuntos de adulto, certo? Errado! Aos 7 anos, o garoto José Adolfo Quisocala Condori mostrou a todos que também há espaço para crianças no mundo dos negócios ao fundar o Banco Cooperativo Estudantil Bartselana, em 2012, no Peru.
Mais do que “fazer dinheiro”, a intenção de José Adolfo sempre foi ajudar outras crianças, além de diminuir os problemas sociais enfrentados pela população infantil de sua cidade, Arequipa.
Eu tinha 6 anos e cursava o 1o ano do ensino fundamental quando comecei a ver crianças nas ruas da minha cidade trabalhando, vendendo balinhas e limpando o para-brisa dos carros. Eu não entendia o porquê de eles trabalharem. Sempre me ensinaram que nós, crianças, não deveríamos trabalhar. Nossa maior responsabilidade eram as tarefas do colégio e, às vezes, ajudar em casa e nada mais”, relembra o jovem em entrevista exclusiva à revista Saber Cooperar.
Adolfo não entendia porque esses meninos e meninas trabalhavam, até conversar com uma dessas crianças. “Perguntei por que ele trabalhava, e ele me contou que tinha tomado a decisão de deixar o colégio e começar a trabalhar por causa dos problemas econômicos dos pais. Ele tinha irmãos pequenos e não queria que eles passassem fome. Então, decidiu deixar o colégio e começar a trabalhar até que seus pais conseguissem algum trabalho. Ele tinha 13 anos. Não era um adulto. Era uma criança”, recorda.
A preocupação genuína com a situação de outras crianças foi a motivação de José para abrir um banco voltado às necessidades dos pequenos. O objetivo era ajudá-los a poupar para a vida adulta.
Ao ver essas realidades e esses problemas, fiquei preocupado porque as autoridades não faziam nada para evitar que os meninos trabalhassem e abandonassem seus estudos. Até que decidi, em 2012, aos 7 anos, fundar o Banco Cooperativo Estudantil Bartselana para meninas e meninos.”
MONETIZAÇÃO
Você deve estar se perguntando: como um garoto de 7 anos conseguiu dinheiro para montar um banco? Pois bem, com criatividade! Ele começou a procurar um jeito de ajudar as crianças mais necessitadas a juntar dinheiro. Foi então que decidiu transformar lixo (material reciclável) em renda. Com a ajuda dos pais — que sempre acreditaram na ideia do menino—, José Afonso fez um acordo com indústrias e empresas de reciclagem locais. Elas compram, até hoje, os resíduos sólidos coletados pelos pequenos associados da cooperativa, transformando o que antes era sucata em dinheiro na conta de meninos e meninas.
“No banco, a gente converte os materiais recicláveis em ecomoeda, contribuindo para redução da contaminação ambiental por resíduos sólidos”, explica o jovem fundador.
A instituição teve início com apenas 20 cooperados. Depois de 8 anos de intenso trabalho, o Banco Cooperativo Estudantil Bartselana tem 5.830 sócios: 60% são meninas e 40% meninos. Crianças de zero a 16 anos e jovens de 17 a 29 anos podem abrir uma conta na instituição financeira cooperativa. Para 2021, eles pretendem abrir a cooperativa para entrada de adultos – o que ainda está em estudo.
Para ser um cooperado, é preciso fazer um curso virtual gratuito, de 6 horas, que aborda questões ligadas a educação financeira e a educação ambiental (gestão de resíduos). Também é preciso depositar 10 soles (cerca de R$ 14) na poupança.
Desde a abertura, o banco cooperativo tem ampliado sua carteira de produtos. Hoje, além da poupança, oferece microcrédito para compra de alimentos e materiais escolares, e oportunidades de investimentos.
Os cooperados contam, ainda, com um cartão de débito — como nos bancos tradicionais — e podem fazer saques em caixas eletrônicos em todo o Peru. Além disso, também podem fazer compras em estabelecimentos comerciais, compras online, transferências de recursos e pagamento de serviços.
Atualmente, todos os mais de 5 mil pequenos clientes abastecem o banco com materiais recicláveis e recebem em troca dinheiro creditado em sua conta. Um mecanismo virtuoso em prol da infância e da sustentabilidade do planeta. Tudo isso regado pelos princípios do cooperativismo de inclusão financeira, combate à pobreza e capacitação de jovens.
AJUDA DA FAMÍLIA
Nessa corajosa empreitada, José Adolfo contou com o suporte, o apoio e o exemplo da família. Foi da vivência com os pais que aprendeu a importância de poupar. E eles não mediram esforços para apoiá-lo na ideia de criar um banco.
No início, contribuímos ao crer na possibilidade de abrir um banco. A partir de 2018, passei a acompanhá-lo em suas atividades e buscando apoio com profissionais que entendessem do manejo de um banco. No início, chegamos a financiar algumas atividades. Hoje, sou um suporte emocional de José Adolfo”, conta, orgulhoso, o pai Herbert Quisocala.
NOVOS PROJETOS
Hoje com 16 anos, José Adolfo é considerado o mais jovem gerente de banco do mundo e tem mostrado que iniciativas locais geram importantes impactos na vida das pessoas. Desde a criação da instituição financeira, ele já recebeu uma dezena de prêmios e reconhecimentos pelo trabalho de inclusão financeira de jovens – entre eles, o Prêmio Internacional Finanças para Jovens, Prêmio Nacional de Voluntariado, em 2014, o Prêmio Internacional Escola Empreendedora e o Prêmio Climático Infantil 2018.
Meu trabalho [como gerente-geral], além de mostrar os nossos produtos financeiros para nossos cooperados, é inspirar, no Peru e em outros países do mundo, a promoção e o investimento em nosso modelo de negócios. Também promovo o banco cooperativo junto ao Estado peruano, através do Ministério da Educação”, explica.
Os planos para o futuro são muitos e são audaciosos. José Adolfo pretende instalar agências em todas as principais cidades do Peru, com o objetivo de atender a 20 mil crianças. O banco cooperativo conta hoje com 7 agências, mas, a partir de janeiro de 2021, mais 30 pontos de atendimento serão abertos nas casas de 30 adolescentes que, junto com seus pais, decidiram abraçar o negócio e administrar uma agência.
Além disso, o jovem deseja instalar bombas de coleta solidária (de materiais recicláveis) em cinco dessas cidades.
José Afonso também quer empreender um programa de financiamento coletivo – em que possam ser usados tanto resíduos sólidos quanto dinheiro – no Peru e no exterior.
Outro projeto do jovem empreendedor é tirar do papel e implementar a Fundação Bartselana, com a qual ele pretende ajudar a resolver os principais problemas das crianças nos quesitos educação, evasão escolar, saúde e fome.
“Esperamos que 2021 seja um bom ano para que possamos continuar desenvolvendo projetos e seguir ajudando crianças, tanto no Peru como no exterior”, diz.
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Pequenos grandes cooperados
Um dos pequenos sócios do Banco Cooperativo Estudantil Bartselana é o jovem Lucas Bustamente Mena, 11 anos, que tem uma conta de poupança e um cartão de débito no próprio nome desde julho de 2019.
Morador de Arequipa, ele conta que, em princípio, não acreditou na mãe ao ouvir a história de um “menino banqueiro”.
“Minha história com o banco começa quando minha mãe me disse que existia um menino que era banqueiro. Eu não consegui acreditar porque uma criança não podia ser banqueira. Era impossível! Mas bem, fomos ao banco e era verdade! Era um menino que era banqueiro e tinha o seu banco. Eu me surpreendi porque é muito raro”, disse Lucas em entrevista à Saber Cooperar.
A vontade de juntar o próprio dinheiro e ajudar a melhorar o planeta logo encantaram o pequeno, que resolveu se associar.
“Para virar cooperado, tive de fazer dois cursos: um sobre meio ambiente e outro sobre poupança. Me ensinaram a reciclar em casa e a pensar no que fazer com o dinheiro, a ter uma meta. Meu objetivo, na época, era ter uma capinha para celular. Consegui alcançar essa meta juntando e levando os resíduos sólidos ao banco para conseguir meu dinheirinho”, diz o jovem.
A mãe de Lucas, Johana Mena Castro, calcula que, para chegar aos 45 soles (cerca de R$ 64) necessários para a capa de celular, o menino tenha levado 80 quilos de resíduos sólidos – entre papeis, garrafas plásticas, tetrapack e jornais – ao banco cooperativo estudantil, no período de um mês e meio. Para isso, ele se empenhou em coletar o que antes era considerado lixo não só na própria casa, mas também na de tios e de vizinhos.
Também com o aprendizado sobre reutilização de materiais, Lucas fez uma jardineira na janela de casa, na qual usa latas para abrigar plantas.
A nova meta financeira do jovem é bem maior e mais ambiciosa: ele quer poupar para comprar um laptop.
“Como no banco também é possível poupar seu próprio dinheiro, eu calculo que entre abril e maio do próximo ano, ele poderá alcançar a meta de 1600 soles (cerca de R$ 2,3 mil)”, afirma, orgulhosa, a mãe.
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Esta matéria foi escrita por Lílian Beraldo e está publicada na Edição 32 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação