A nova cara do cooperativismo
Cledir Magri não para. Um dia está na estrada. "Ligo quando chegar!", diz. O retorno demora dias. Outra tentativa de contato e agora ele avisa que está em um hotel em Brasília, para uma série de reuniões de trabalho. Tenta marcar um encontro presencial em um dos cafés da capital. "Não vou conseguir estar lá", lamenta no dia seguinte. A entrevista acaba sendo por meio da tela do computador. São 7h da manhã e o cooperativista tem a agenda repleta de compromissos. "Terminamos a conversa em outro dia", deixa previamente combinado. Uma semana depois, ele já se encontra no aeroporto de São Paulo rumo à Europa. "Mande as perguntas que respondo por áudio", pede pouco antes do embarque. E lá vai ele, mais uma vez.
O presidente do Sistema Cresol, uma das principais cooperativas financeiras do Brasil, viaja para fazer palestras, estar em encontros pelo mundo para troca de conhecimento e apresentar a experiência de sucesso que comanda. Apesar do tempo apertado, Cledir fala pausado. Uma calma peculiar na hora de pronunciar palavras bem escolhidas. Tom de quem tem talento para fazer sermões. Direto e certeiro. Faz parte de sua habilidade falar com o público, tocar as pessoas pelos verbos, adjetivos e substantivos sabiamente selecionados. Um dom que o levou a ser seminarista. Ou o contrário. Talvez o predicado tenha sido resultado dos anos de preparo para o sacerdócio.
Cledir quase foi padre, mas entendeu que era necessário ter uma outra vivência. "Tomei uma decisão difícil, mas muito madura, de sair do seminário", conta. Foi quando começou a traçar outros caminhos, entre eles o que o levou a se destacar como líder cooperativista. Antes disso, estudou filosofia e teologia. Fez mestrado na área de educação, doutorado em filosofia da economia e especializações que exigiriam um parágrafo só para citá-las.
Modesto, diz que talvez não tenha sido o mais inteligente da turma, mas sempre esteve entre os mais esforçados. Dedicação que fez com que fosse convidado a trabalhar, há quase 18 anos, com um professor universitário, presidente de uma organização que prestava serviço para a Cresol. Uma das missões do ex-seminarista era ajudar o docente a conduzir alguns projetos junto à cooperativa parceira.
Assim foi até que, no dia de uma palestra para os funcionários da Cresol, o coordenador responsável pela tarefa adoeceu. O tema era algo sobre desenvolvimento regional a partir da participação da agricultura familiar, e o novo palestrante escolhido foi Cledir, justamente por sua desenvoltura ao falar e pela afinidade que demonstrava com o tema.
Afeito a desafios, Cledir teve só uma noite para preparar o material, mas não se intimidou. Como conhecia bem o assunto e tinha prática de transformar calhamaços de teorias e dados de pesquisa em apresentações, elaborou uma palestra que transformaria a sua vida.
No seminário, passávamos meses estudando um evangelho para fazermos um sermão de seis ou sete minutos. Éramos treinados para termos a capacidade de ser assertivos e compartilharmos as informações mais relevantes."
Ainda que nervoso no papel de palestrante, Cledir conduziu a apresentação com desenvoltura. "Na época, meus amigos eram mais conservadores; então, levei outra dinâmica do trabalho em grupo, mais participativa, e aquela região ficou extremamente encantada", lembra. Tamanha maestria chamou atenção dos dirigentes da Cresol, que solicitaram sua participação em mais projetos e em novas palestras.
Finalmente, em 2007, Cledir Magri foi convidado a fazer parte da cooperativa como auxiliar administrativo. Anos depois, ele passou a ocupar a cadeira mais importante da cooperativa.
Por isso, digo: na vida, as oportunidades surgem e precisamos estar sempre preparados para aproveitá-las. E isso não é um jargão ou uma manifestação tão somente formal", garante.
De fato, Cledir agarrou a chance que teve, como o menino esforçado que sempre foi teria feito. Ele defende a tese de que o esforço é resultado da necessidade. "O esforçado é aquele que trabalha por um prato de comida", define.
LIDA NO CAMPO
Filho de "pequeníssimos" agricultores do também pequeno município no interior do Rio Grande do Sul, Frederico Westphalen, Cledir é o sexto de oito irmãos. A dura lida de seus pais nunca deixou que faltasse o que comer e foi lição farta para que os filhos "aprendessem a valorizar o pouco que tínham", lembra.
Essa visão de mundo sempre o ajudou a se dedicar intensamente ao trabalho. Começou como faz tudo, uma "espécie de office boy" na cooperativa; aos poucos, foi conquistando espaços maiores. Um crescimento proporcional à sua dedicação.
Logo, já dava suporte e apoio na execução de projetos, na formação, na capacitação e no treinamento das equipes. Em 2009, foi para Chapecó, no noroeste do Rio Grande do Sul, fazer parte da equipe de uma das centrais. Em 2012, dedicava-se exclusivamente à assessoria da diretoria, do ponto de vista mais estratégico, e tinha papel importante na elaboração de planejamentos. Até que, em 2016, aos 36 anos, foi convidado a assumir a presidência do sistema. Aliás, ele é o mais jovem presidente da história da Cresol — diga-se de passagem. Cargo que ocupa até hoje.
ESSÊNCIA COOPERATIVISTA
Quando não está no trabalho, Cledir gosta da calmaria que lhe traz a leitura. Estabeleceu consigo mesmo um propósito: ler dois livros por mês. E tem mantido a meta. Aos 41 anos, é casado e sem filhos. A rotina de descanso inclui ir à igreja e fazer exercícios físicos. Além disso, mantém o forte vínculo com a terra e se dedica às atividades de agricultura na propriedade da qual é dono, com os irmãos, na cidade onde nasceu e cresceu.
A afinidade com a atividade cooperativista veio da infância. O pai era sócio da cooperativa. A essência do cooperativismo, carrega na alma. Cledir acredita que a criação deste modelo de negócios nasceu da solução encontrada coletivamente para os problemas individuais. Ele menciona a Inglaterra de 1844, onde as pessoas não conseguiam comprar o básico para sobreviver. Até que, para driblar a fome, um grupo de 28 trabalhadores da cidade de Rochdale-Manchester se uniu para montar seu próprio armazém. Nascia ali a primeira cooperativa do mundo.
Com uma moeda, aquelas pessoas não conseguiriam se alimentar, mas, se juntassem todas as moedas que tinham, poderiam comprar comida para todos. Por isso, podemos dizer que o cooperativismo é filho da necessidade e nasce em ambientes de grandes adversidades. É uma visão disruptiva, de romper o ordinário e pensar coletivamente", afirma. "Esse é o pilar de sustentação do cooperativismo: soluções coletivas para os problemas individuais. É um sistema feito de pessoas, para pessoas".
Unir esforços, agir em conjunto e pensar no bem comum é o que Cledir acredita como líder, como gestor e como ser humano. Defende o pensamento focado no bem de todos e a prática como exemplo para o próximo — lição que ele, aliás, aprendeu no seminário e levou para a vida. "O padre sempre nos ensinava algo que irá valer até o dia em que minha memória estiver ativa. Ele nos dizia o seguinte: 'jamais, nunca, em hipótese alguma, lá no sermão da missa, fale de algo que você não vai conseguir fazer fora da igreja, porque as pessoas vão te cobrar'."
SISTEMA RENOVADO
Foi também a união coletiva em uma adversidade que deu origem ao Sistema Cresol. O ano era 1995 quando 27 "pequeníssimos agricultores com baixa escolaridade da região sudoeste do Paraná", como define o atual presidente, se propuseram a criar uma organização de crédito. Cada um deles poderia ter ido a um banco privado e tentado solucionar individualmente suas dificuldades, mas eles preferiram unir esforços e investir em uma "visão disruptiva e empreendedora da mais alta qualidade: o cooperativismo", acrescenta.
De lá para cá, são 28 anos de um sistema cooperativo que, atualmente, reúne mais de 800 mil sócios e 740 agências espalhadas por 18 estados brasileiros. Nasceu com a vocação de atender o mercado agro, mas ampliou a clientela. Hoje, 70% dos cooperados estão ligados à produção de grãos, proteínas, hortaliças e fruticultura, por exemplo. Os outros 30% estão vinculados ao segmento urbano.
Cledir faz parte dessa história há 18 anos. Por ser uma jovem liderança, imprimiu inovação e modernidade à sua gestão. Foi o único na história da Cresol a ser reeleito, e segue propondo novidades para o Sistema.
Essa nova fase da Cresol representa uma ruptura, não dos valores da cooperativa, mas uma ruptura do ponto de vista da estrutura e organização do sistema. Essas mudanças permitiram que a gente pudesse, de fato, participar do mercado em condições diferentes", conta.
Cledir não nega que, no começo, suas ideias esbarravam no perfil um pouco mais conservador de algumas lideranças cooperativistas. Aos poucos — pelo resultado de um trabalho que propunha o reposicionamento da marca Cresol no cenário nacional — conquistou a confiança também dessas lideranças.
Entre as conquistas da gestão de Cledir, destacam-se as novas estratégias de marketing e de comunicação, a modernização do leiaute da logomarca, das fachadas e dos modelos das agências, que agora têm um visual mais clean, transmitindo mais leveza e confiabilidade. A mudança fez a Cresol se destacar ainda mais no mercado — mais um sinal de que o presidente de "cabeça diferente" estava pensando direitinho.
Sob seu comando, gestores e demais funcionários passaram por processos de capacitação e de treinamento; investiu-se em tecnologia; em planejamento estratégico; ampliou-se a oferta de serviços, produtos e soluções financeiras oferecidas aos cooperados. Cledir trouxe uma gestão conduzida, como ele próprio afirma, "por uma mente mais leve e sem grandes vícios". Por isso, abriu o espaço de fala e de poder, garantindo a participação de um grupo maior de pessoas nas decisões, desmontando modelos antigos de centralização de poder.
Outra conquista de Cledir foi a criação de projetos voltados para os jovens. Um deles é o Juventude Conectada, em que jovens de todo o Brasil passam 14 meses envolvidos em atividades e em treinamentos para discutir e praticar temas como empreendedorismo, cooperativismo, profissões do futuro e projetos de vida. Também nomeou um Comitê Estratégico Jovem para debater a participação deles no sistema cooperativista.
Quando a gente pensa na entrada maior dos jovens nas cooperativas, como associados, e, em especial, no espaço de tomada de decisões, há um desafio a ser superado: entender que existem milhões de jovens que estão, sim, preparados, e têm condições de exercer posições de destaque dentro das cooperativas. Basta dar a eles uma oportunidade. Aí, entra um elemento chamado política de sucessão. Se eu nunca abrir espaço, é pouco provável ter novas lideranças se destacando", defende.
A liderança feminina foi outra bandeira levantada pelo presidente da Cresol. Ele incentivou a participação delas nos conselhos das cooperativas e deu oportunidade para que a caneta estivesse na mão delas na hora de assinar as últimas decisões. Era a proposta de transformação em um cenário que ele considerava extremamente masculino.
Ele próprio pode ser visto como uma "minoria" de pouca idade dentro do cooperativismo. Começou como faz tudo, recém-saído do seminário, com pouco mais de 20 anos, e, quando presidente, trouxe renovação e mudança de conceitos.
No começo, alguns tinham a ideia de que o jovem chega e joga fora tudo o que foi feito para começar algo novo. Eu nunca fiz isso. Entendo que a gente precisa valorizar sobremaneira a nossa história, e que, quanto mais você faz isso, mais elementos de decisão você tem para pensar o futuro", afirma.
A essência da ideia proposta por aqueles 27 agricultores que criaram a Cresol, há pouco mais de duas décadas, ainda é mantida viva e norteia os caminhos da cooperativa comandada por ele.
"A organização que esquece a sua história perde a sua referência e pode ser qualquer coisa, menos aquilo para que ela foi pensada e concebida", reconhece Cledir. "Com o passar do tempo, o criador e a criatura não se reconhecem mais. É aí que entra o papel dos líderes." E Magri, sem dúvidas, é uma grande liderança, antenada com o papel estratégico da comunicação.
Esta matéria foi escrita por Flávia Duarte e está publicada na Edição 42 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação