Acolhendo Talentos
A C.Vale hoje conta com 526 estrangeiros no seu corpo de funcionários, de diversas nacionalidades - o maior grupo, cerca de 80%, é de haitianos.
Foi a qualificação que garantiu ao tunisiano Yousseff Arendt Ben Nessib uma vaga na área de comércio exterior da C.Vale, cooperativa agroindustrial com sede no Paraná. Há 7 anos no Brasil, Youssef fala seis idiomas e trabalha justamente com mercados do Oriente Médio e África.
O grande diferencial dos imigrantes para a empresa é a cultura. Eu cuido do mercado do Oriente Médio, que é de onde eu venho. Então eu sou mais familiarizado com o jeito de pensar das pessoas, os tipos de negociação, como tem que conversar com o cliente”, explica.
Foi a paixão por uma brasileira - hoje mãe dos seus filhos nascidos aqui - que o trouxe para o Brasil e o fez conhecer o modelo do cooperativismo. “Meu sogro é associado à Coamo, que é uma cooperativa de agricultores, e por meio dele eu entendi como funciona o modelo que eu acho que é bem eficiente, um trabalho em equipe e um sucesso no Brasil”, acredita.
A C.Vale hoje conta com 526 estrangeiros no seu corpo de funcionários, de diversas nacionalidades - o maior grupo, cerca de 80%, é de haitianos. O terremoto de 2010, que atingiu diversas localidades do país e matou mais de 200 mil, fez com que diversas pessoas deixassem o país e viessem ao Brasil em busca de novas oportunidades.
Essa abertura começou a partir de uma necessidade de mão-de-obra. Tínhamos uma carência grande e isso foi se consolidando com a chegada dos haitianos. Nós nos estruturamos para lidar com esse público e nos organizamos para oferecer treinamentos. O número de imigrantes tem crescido em razão do sucesso do programa. Hoje acolhemos sem nenhum receio sabendo que são uma força de trabalho promissora, eles têm um bom potencial e acabam se adaptando”, conta Neivaldo Burin, gerente do Abatedouro de Aves da C.Vale.
A maioria dos funcionários imigrantes e refugiados da C.Vale trabalha em atividades operacionais e passam por treinamento para conhecer as normas e boas práticas de higiene, segurança alimentar e do trabalho. “O abate é uma atividade muito procedimental, existia no início o receio, mas a prática foi mostrando que sim, eles se adaptam”, diz Burin.
COOPERAÇÃO
Ainda não há um levantamento da participação dos imigrantes estrangeiros nas cooperativas brasileiras, apesar dos relatos de várias partes do país do aumento dessas contratações. Professora do programa de Pós-Graduação em Gestão de Cooperativas da Pontifícia Universidade do Paraná (PUC-PR), Leila Dissenha estuda o tema para entender as potencialidades dessa parceria.
Nós temos o princípio do interesse pela comunidade e o da educação, então essa atitude de acolhimento se coaduna perfeitamente com as bases do cooperativismo”, afirma.
Há um projeto de iniciação científica em andamento na instituição para fazer uma radiografia da presença de imigrantes e refugiados nas cooperativas brasileiras. “É preciso aprimorar esse trabalho de intermediação porque muitos refugiados que chegam ao Brasil já têm uma formação que interessa às cooperativas: são veterinários, agrônomos, técnicos em segurança do trabalho. A cooperativa já faz seu papel econômico tão brilhantemente, ela também pode fazer esse papel social que é tão relevante”, acredita.
IDIOMA
Para os que chegam ao Brasil, o idioma ainda é um obstáculo. Na C.Vale, os os principais documentos, normativos e materiais de treinamento foram traduzidos para as diversas línguas. E os funcionários estrangeiros mais antigos, com o tempo, tornam-se uma espécie de “monitores” para auxiliar a adaptação dos novatos.
Para Burin, o investimento compensa pela entrega desses funcionários à cooperativa. “A maior parte deles está na área de produção, desde o abate até embalagem dos produtos. Mas já temos casos em que o funcionário foi evoluindo e crescendo na empresa, chegando às áreas administrativas”, conta.
Um desses destaques é Jackenson Forestal, um dos 462 haitianos empregados na cooperativa. Ele chegou no país há cinco anos - veio juntar-se a um primo que já morava no Paraná, em busca de crescimento profissional. Começou na C.Vale há dois anos em atividades operacionais e hoje trabalha na área de recursos humanos da empresa. Auxilia, principalmente, a contratação de outros trabalhadores imigrantes, mas também desempenha outras atividades de atendimento ao público.
Os primeiros anos no Brasil foram difíceis e Jackenson se dedicou aos estudos enquanto não conseguia emprego. “Na C.Vale, eu entrei na filetagem do peixe e na época eles precisavam de alguém para ajudar os estrangeiros que só falavam francês. Depois de algum tempo, eu fiz uma seleção e fui contratado para a área de recursos humanos”, lembra.
Casado e com uma filha brasileira, ele terminou o ensino médio no Brasil e sonha em cursar o ensino superior em tecnologia da informação - e quem sabe trabalhar nesta área dentro da própria cooperativa. “Foi uma grande oportunidade para mim, na minha área eu sou o único estrangeiro. No início eu achei que não fosse dar conta do trabalho, que não fossem me aceitar por eu ser negro e imigrante. Mas depois de um mês de trabalho, minha encarregada disse que eu entregava mais do que ela esperava. Eu vou seguir em frente e chegar no lugar onde eu quero”, sonha.
Depois de alguns meses no Brasil, Yadira conseguiu trazer o marido, que tinha ficado na Venezuela por problemas de saúde. Espera que ele também possa conseguir um emprego e se diz muito feliz com a nova vida, em especial com o trabalho.
Sou muito grata à cooperativa pela oportunidade e pela forma como tratam os estrangeiros. A cooperativa é uma empresa maravilhosa e tenho muito orgulho de trabalhar lá porque sei que é uma empresa pujante. Estou feliz em colaborar e colocar meu grãozinho de areia para que a empresa siga adiante e eu também ajude o Brasil a se desenvolver”, diz emocionada.
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
Apesar do fluxo recente de imigrantes, a história deles com o cooperativismo é antiga. Um dos exemplos foi a criação da Cooperativa Agrária, em Guarapuava, no Paraná. Em 1951, ela nasceu com o objetivo de apoiar cerca de 500 famílias de Suábios do Danúbio, que chegaram ao Brasil na década de 1940 em razão dos conflitos da Segunda Guerra Mundial.
Essa população origina-se na região que hoje é o Sul da Alemanha e tinha a agricultura como principal atividade. A partir do século 18, colonizaram o sudeste europeu e, com a guerra, passaram a viver em abrigos para refugiados na Áustria. Com o apoio de uma instituição humanitária, vieram para o Brasil e a comunidade criou a Cooperativa Agrária. Hoje, as principais culturas produzidas pelos cooperados são soja, milho, trigo e cevada. São 630 cooperados, 1.450 empregados e R$3,5 bilhões em faturamento.
Esta matéria foi escrita por Amanda Cieglinski e está publicada na Edição 31 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação