Café com governança: uma boa mistura
Preparar o solo, escolher as mudas, plantar. Manejar as plantas, observar a florada, colher. Processar, secar, beneficiar, armazenar. E vender. A produção de café envolve diversas etapas, desde o cultivo das plantas — com uma boa drenagem e aeração — até a comercialização dos grãos, que pode ser feita por meio de leilões, diretamente com os compradores e por meio de cooperativas. E tudo isso exige planejamento e gestão — dois dos principais diferenciais da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), a cooperativa de cafeicultores mais antiga do Brasil, oficialmente fundada em 20 de janeiro de 1957, mas ativa desde 1932, quando atuava como cooperativa agrícola de crédito.
Com mais de 18 mil produtores associados, a Cooxupé — que tem sede no município de Guaxupé, no sul de Minas — oferece diversos serviços, como crédito, projetos de melhoramento da qualidade do café, assistência técnica, compra e venda. Ela também é líder em produção de café orgânico e de qualidade especial.
Todo esse histórico de esforço e sucesso ocorre, em grande parte, pelo fato de a Cooxupé adotar boas práticas de governança cooperativa, que buscam promover a participação dos cooperados nos processos de tomada de decisão que envolvem o desenvolvimento econômico e social da cooperativa. A gestão democrática e a inclusão dos membros também asseguram que a diversidade de ideias e o respeito aos desejos da maioria, além de incentivar a transparência e a responsabilidade, para que a cooperativa possa alcançar seus objetivos.
A governança cooperativa é responsável por fazer a direção estratégica da Cooxupé, apoiada nos valores e princípios cooperativistas, com práticas éticas e sustentáveis. Transparência, segurança nas operações, distribuição de resultados, gerar renda para as famílias, tudo isso está dentro da governança cooperativa”, afirma o presidente da Cooxupé, Carlos Augusto de Melo e associado desde 1977. A vocação para cooperar, ele diz, foi herança do pai, que sempre participou ativamente da cooperativa.
De acordo com Melo, no cooperativismo há práticas de governança que capacitam o cooperado para que ele entenda cada vez mais os processos e estratégias da cooperativa. A verdade é que o cooperado inserido no sistema é um ponto fundamental para que a governança cumpra seu papel.
“Outra questão que atende especificamente a boa governança são as auditorias internacionais. Somos auditados pelos principais agentes. Estamos preparados para atender as exigências de mercados de altas demandas”, explica o presidente da cooperativa, que sempre foi muito ativo na participação e defesa do cooperativismo.
GESTÃO PROFISSIONAL
Colocar os interesses do grupo acima dos desejos pessoais é outro atributo fundamental para a boa governança cooperativa. Por isso, Carlos Augusto de Melo considera uma honra “estar presidente da Cooxupé”. Segundo ele, não existe satisfação maior do que participar da história do Cooxupé — cooperativa que, em 2022, embarcou para os mercados interno e externo 6,8 milhões de sacas de café verde tipo arábica, das quais 5,6 milhões (80%) foram para o mercado internacional, englobando mais de 50 países em cinco continentes. Entre os principais consumidores estão Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Itália, Japão e Suécia. E para melhor atender esses mercados, a cooperativa montou, inclusive, um escritório em Santos — maior complexo portuário da América Latina e um dos maiores do mundo.
Na visão de Melo e de boa parte dos cooperados, a pujança da Cooxupé é fruto de um direcionamento estratégico apoiado nos valores e princípios cooperativistas, na ética e na busca por uma gestão sustentável. Um processo que, sob uma visão prática, ratifica a concepção da governança cooperativa como um conjunto de métodos e processos de gestão estratégica, aplicados ao nosso jeito diferente de fazer negócios.
Profissionalizar a gestão, como fez a Cooxupé, é o caminho mais curto para potencializar os resultados econômicos e as características sociais das cooperativas, como participação democrática, educação, transparência e sustentabilidade”, explica o especialista em Direito Cooperativo Fernando Lucindo, 43 anos, os últimos 15 dedicados exclusivamente às cooperativas.
“A adoção de boas práticas de governança auxilia a cooperativa na tomada de decisões estratégicas, ampliando a participação dos cooperados nas decisões, bem como na adoção de processos mais eficientes e padrões operacionais de qualidade. Uma boa governança direciona a empresa cooperativa a obter resultados sociais e econômicos mais consistentes”, completa Lucindo, também integrante das Comissões de Direito Cooperativo da OAB/MG e da OAB/SP.
No caso da Cooxupé, a governança da cooperativa é totalmente composta por cooperados e produtores rurais. E as áreas profissionais são separadas em seis superintendências que respondem aos conselhos Administrativo e Fiscal. Esta segmentação das áreas visa otimizar o planejamento e a execução das diretrizes determinadas pela Assembleia Geral Ordinária, com base no planejamento estratégico e gestão profissional dos recursos, além de garantir conformidade com as normas e exigências pertinentes ao negócio.
Nas ações cotidianas, os desafios enfrentados pelo Conselho de Administração protegem e valorizam a Cooxupé, promovendo o desenvolvimento socioeconômico e interesse dos cooperados, além de preservar a natureza cooperativa do negócio, buscando o equilíbrio entre os anseios das partes interessadas.
“Este é o órgão que tem o desafio de zelar pelas diretrizes das atividades da Cooxupé e de ações que comprometam a responsabilidade administrativa, fiscal, tributária e social da cooperativa. As práticas de governança corporativa estão entre as atribuições específicas deste conselho”, define o presidente da cooperativa.
EXEMPLO DE TRANSPARÊNCIA
A transparência da gestão e dos resultados é um dos pilares da governança cooperativista que a Cooxupé leva muito a sério. Além da prestação de contas do resultado anual, apresentado na Assembleia Geral Ordinária, a cooperativa utiliza de ferramentas de comunicação para divulgar as informações que impactam no negócio. Mas, sem dúvida, a melhor prática de transparência da cooperativa é trazer o cooperado para uma participação efetiva na cooperativa.
Dentro da Cooxupé, a participação dos cooperados nos processos de governança é estimulada desde que eles ingressam na organização, que faz questão de apresentar os direitos e deveres da tríade dono/fornecedor/cliente. Seguindo as melhores práticas de governança cooperativa, os conselhos administrativo e fiscal da organização são compostos exclusivamente por produtores cooperados, que conhecem as reais necessidades da atividade — fato que os torna legítimos representantes e participantes nas decisões colegiadas. E para garantir a representatividade, rotatividade e idoneidade desses conselheiros, o Estatuto Social prevê que seus nomes devem ser aprovados pelos cooperados de suas áreas de atuação antes de se candidatar — uma obrigação, aliás, de toda cooperativa.
A Cooxupé também adota outras boas práticas de educação cooperativista,). Desde 2013, a cooperativa promove um aprendizado prático e dinâmico por meio do processo de autoavaliação da gestão do AvaliaCoop (antigo PDGC), que vem acompanhado por aulas, palestras, visitas técnicas e estudos de caso. O objetivo é integrar produtores com a estrutura administrativa e de gestão da cooperativa, além de desenvolver lideranças, visando o processo de sucessão dos Conselhos.
A capacitação é uma forma de fazer uma imersão do próprio cooperado dentro da cooperativa. E quanto mais ele conhece a cooperativa, mais ele participa e colabora na governança e processos”, explica Jorge Florêncio Ribeiro Neto, 62 anos, dos quais 45 foram vividos na Cooxupé — uma experiência que o capacita a zelar pela imagem, reputação e representação institucional da cooperativa, pela gestão da comunicação corporativa e, ainda, por apoiar a governança nas suas atividades.
Florêncio explica que um cooperado bem informado e instruído tem melhores condições de acompanhar e participar ativamente dos caminhos da gestão, propondo melhorias, fiscalizando e até tecendo críticas sobre as decisões estratégicas tomadas pela gestão. Da mesma forma, esse cooperado se interessa mais sobre o negócio, podendo, inclusive, se preparar para compor ou se colocar como opção num plano de sucessão.
Essa participação consciente e instruída do quadro causa um efeito interessante na gestão dos recursos financeiros e humanos, pois eleva a responsabilidade dos gestores a utilizarem das melhores práticas e operações, seguindo critérios técnicos e índices de desempenho”, analisa Fernando Lucindo, especialista em Direito Cooperativo e governança cooperativista.
Vale destacar: em uma cooperativa, a governança é sempre compartilhada entre os conselhos (Administração e Fiscal), a diretoria executiva e a assembleia geral de cooperados. "Isso nos diferencia de uma empresa de capital, na qual as tomadas de decisões e responsabilidades são centralizadas no proprietário ou em acionistas majoritários. Em uma cooperativa as decisões são colegiadas e as responsabilidades compartilhadas”, conclui Florêncio.
5 Princípios da Governancça Cooperativa
- Autogestão (diagramar com vetor)
É o processo pelo qual os próprios cooperados, de forma democrática e por meio de organismos de representatividade e autoridade legítimos, assumem a responsabilidade pela direção da cooperativa e pela prestação de contas da gestão. Os agentes de governança são responsáveis pelas consequências de suas ações e omissões.
- Senso de Justiça (diagramar com vetor)
É o tratamento dado a todos os cooperados com igualdade e equidade em suas relações com a cooperativa e nas relações desta com suas demais partes interessadas.
- Transparência (diagramar com vetor)
É facilitar voluntariamente o acesso das partes interessadas às informações que vão além daquelas determinadas por dispositivos legais, visando à criação de um ambiente de relacionamento confiável e seguro.
- Educação (diagramar com vetor)
É investir no desenvolvimento do quadro social visando à formação de lideranças, para que estas tragam em seus conhecimentos de gestão e administração a essência da identidade cooperativa, base de sucesso e perpetuidade de sua doutrina.
- Sustentabilidade
É a busca por uma gestão ética nas relações internas e externas para geração e manutenção de valor a todas as partes interessadas, visando à perenidade da cooperativa, considerando os aspectos culturais, ambientais, sociais e econômicos.
Fonte: Sistema OCB, Manual de Boas Práticas da Governança Cooperativa
SERVIÇO
Para saber mais sobre a importância e a implementação de uma estrutura de governança na sua cooperativa, baixe agora o Manual de Boas Práticas da Governança Cooperativa, produzido pelo Sistema OCB.
Esta matéria foi escrita por Freddy Charlson e está publicada na Edição 41 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação