Começar de novo

Existem histórias de superação que merecem ser contadas. E essa fala sobre mulheres que, por influência dos companheiros ou por necessidade, terminaram parando na cadeia. E foi lá, em um momento difícil e com poucas esperanças, que elas descobriram que podiam mudar de vida. Tudo isso, graças à primeira cooperativa social formada por presos do Brasil: a Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora (Coostafe), que nasceu da necessidade de criar um instrumento de reinserção social para as detentas e ex-detentas do Centro de Reeducação Feminino de Ananindeua, no Pará. 

Essa coop inspiradora começou a funcionar em 2013, com 15 detentas que produziam pequenos artesanatos e bordados. Atualmente, são 25, entre mulheres e LGBTQIA+, custodiadas no Centro de Reeducação Feminino de Ananindeua. Uma informação importante: das quase 300 cooperadas que já passaram pelo projeto, nenhuma voltou a ser presa. 

A cooperativa tem um grau de importância muito alto em nossas vidas, pois é por meio do trabalho exercido que conseguimos nos libertar das amarras do passado, conseguimos aprender novos ofícios, ser      pessoas melhores no conjunto em que vivemos e para onde iremos”, declarou Aretha Corrêa, custodiada integrante da Coostafe.

Assim como todas as colegas cooperadas, Aretha participa constantemente de programas de capacitação,  palestras e oficinas sobre produção de artesanato e gestão do negócio.

Somos bem-aventuradas em ter o apoio do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), e também do Sistema OCB, que nos traz constantemente cursos de cooperativismo e educação financeira. Ter esse suporte nos ajuda a qualificar nosso trabalho e é de extrema importância’’, acrescenta Aretha.

Recém-chegada à Coostafe, Débora Bianca trabalha com tintas e pincéis. “Um pote de ouro”, diz. “A cada quadro pintado, imagino o semblante do cliente. É uma satisfação grande ver meus quadros serem vendidos”, confessa. 

De origem indígena, Débora levou muito de sua cultura para o trabalho. Com dois filhos, sonha ter o próprio ateliê. “A cada trabalho, busco fazer o melhor. Minha alegria é ver a felicidade dos clientes”, afirma.

As peças produzidas pelas cooperadas da Coostafe são comercializadas pelo Instagram (@coostafe.pa) ou em feiras de artesanato promovidas por parceiros, como a Assembleia Legislativa do Estado do Pará, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, a Secretaria de Estado de Cultura e uma rede de shoppings local. 

POTENCIAL PARA VENCER 

Reprodução | Facebook

As muitas histórias de superação vividas na Coostafe não poderiam ser contadas sem a participação mais que especial de Carmen Botelho, ex-diretora do Centro de Reeducação Feminino de Ananindeua. Carmem chegou à unidade em 12 de junho de 2013 e percebeu que as detentas não tinham a oportunidade de trabalhar ou estudar. 

Quando cheguei, conheci muitas mulheres fortes e criativas, mas que não tinham oportunidade. Foi quando tive a ideia de pedir para quem sabia pintar, bordar ou costurar dar aulas para outras mulheres. Elas toparam. Então, comprei o material, selecionamos as participantes e iniciou-se o curso”, recorda Carmen, que atuou no sistema carcerário do Pará por quase 15 anos.  

Com o material produzido, foi organizada uma feira dentro do presídio e todo o material foi vendido. O dinheiro arrecadado foi repassado integralmente para as participantes, que ficaram felizes e pediram para repetirmos a experiência. 

“Fui conversar com o meu superintendente da época e chegaram à conclusão de que não poderíamos fazer as vendas. Então, tive que encontrar outro meio para viabilizar a venda dos produtos feitos por elas. E foi assim que conheci o modelo cooperativo”, afirma.

Carmem entrou em contato com o Sistema OCB e explicou sua ideia de abrir uma cooperativa dentro de uma penitenciária. “Eles apoiaram a iniciativa e me ajudaram e criar a Coostafe, primeira cooperativa de mulheres presas do Brasil”, diz, orgulhosa.

Morando em Fortaleza, já aposentada, Carmem sente falta do contato com a cooperativa e suas cooperadas. “Sinto muita falta delas. Sempre acreditei no potencial das meninas e, da minha parte, só fiz o investimento inicial. O resto foi com elas, que são as protagonistas de suas estórias — mulheres fortes, empreendedoras, criativas. Eu não fiz nada, só minha obrigação enquanto diretora de uma unidade prisional, que é procurar meios para fazer os presos não reincidirem no crime”, avalia Carmem, que ficou no CRF de 2013 a 2018.


Esta matéria foi escrita por Freddy Charlson e está publicada na Edição 37 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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