Como será o amanhã?
Prever o futuro não é mais tarefa de astrólogos, cartomantes e videntes. Virou profissão e é uma atividade que pode ser muito importante para determinar o sucesso ou fracasso de um negócio — inclusive das cooperativas. O trabalho dos futurologistas e a cultura de predição foram alguns dos temas discutidos na Semana Conexão Coop. A mesa contou com importantes nomes da área que trabalham constantemente na busca por respostas que ajudem a prever como a sociedade vai se comportar a curto, médio e longo prazos — e os impactos dessas mudanças, cada vez mais aceleradas, nos diferentes mercados.
O futurismo é um trabalho que busca explorar futuros alternativos, inclui desenhos de cenários, análise de movimentos científicos e tecnológicos capazes de transformar nossa sociedade. É um campo de pesquisa amplo em que a gente usa um misto de abordagens e métodos para compreender e nos aproximar das informações que possam apontar para futuros”, explica Paula Abbas, pesquisadora de tendências e professora de design thinking e inovação do Instituto Superior de Administração e Economia (ISAE).
Ela é uma das autoras do estudo Coop de Olho no Futuro: Tendências de mercado diante de um novo mundo, que foi lançado durante o evento. Ela falou aos representantes de cooperativas sobre a importância da “alfabetização em futuros”, considerada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) uma habilidade essencial para se adaptar ao Século XXI. Trata-se da capacidade de compreender melhor o papel que o futuro vai desempenhar naquilo que as pessoas veem e fazem no presente.
Profissionais como a Paula não trabalham com bola de cristal, mas se dedicam a estudar pesquisas de diversos campos do saber para analisar os movimentos da sociedade, em diferentes áreas, seja na tecnologia, na economia ou no comportamento das pessoas. São informações que podem mudar a forma de enxergarmos nossa atuação enquanto cooperativa, e até mesmo o futuro do próprio cooperativismo.
Isso vai se realizar? Esse é um dos grandes questionamentos que vêm quando pegamos um estudo de tendências. O propósito é imaginar futuros, se tornar capaz de compreender para que direção a nossa sociedade, que é dinâmica, está caminhando. Para que a gente possa conseguir propor alternativas estratégicas para futuros desejáveis”, aponta.
Paula sempre fala de futuros, assim mesmo no plural, porque eles dependem da nossa habilidade em analisar cenários e a capacidade de intervenção. Eles podem ser possíveis, prováveis ou desejáveis. “Não temos nenhum tipo de bola de cristal, mas uma quantidade de dados quantitativos e qualitativos que nos mostram as mudanças que estão acontecendo na nossa sociedade, no meio ambiente, no pensamento das pessoas, nas tecnologias e que causam um impacto sistêmico”, indica.
INOVAÇÃO NA UNIMED
Para entender como o trabalho de pesquisa de tendências funciona na prática de uma cooperativa, o painel contou com a participação da Unimed-BH, cooperativa que tem trabalho reconhecido na área de inovação.
Em 2014, a organização criou um Centro de Inovação para fortalecer e disseminar essa cultura dentro da cooperativa. O centro mantém uma equipe permanente de análise de tendências, promove eventos internos e externos, e parcerias com instituições de pesquisa. Por essa razão, a telemedicina, que passou a ser utilizada em larga escala durante a pandemia do novo coronavírus, já estava no radar da Unimed BH há alguns anos.
Apenas três dias após a declaração da pandemia e a autorização para realização de consultas on-line, nós já estávamos operando o sistema. Por meio da teleconsulta, fizemos mais de 451 mil consultas on-line, é um público que foi retirado do serviço do pronto-atendimento. A gente salva muitas vidas com essa plataforma, porque seriam possíveis 451 mil clientes com algum sintoma, circulando pelas ruas”, explica Rafael Paolinelli, gerente de inovação e convergência da Unimed BH.
Justamente pelo trabalho de análise de tendências, a cooperativa já estava apostando no formato de consultas on-line e um projeto-piloto operava desde 2018. Com isso, a equipe teve condições de colocar uma solução no ar em um curto espaço de tempo no momento em que a pandemia foi deflagrada. Outra “coincidência” foi que o último grande evento presencial do Centro de Inovação da cooperativa discutiu, justamente, o futuro da telemedicina, no início de em março de 2020. Havia, inclusive, a previsão de palestrantes internacionais, que tiveram que participar a distância — o primeiro evento híbrido da cooperativa, antes mesmo de a pandemia surgir com força.
Isso só foi possível porque a gente estava com uma equipe interna estudando futuros e cenários que tínhamos pela frente e sabíamos que precisávamos falar de telemedicina, mesmo ainda em um cenário desfavorável para aplicação com o cliente, mas sabíamos que era uma tendência”, afirma Paolinelli.
Desde o início da pandemia, o serviço de telessaúde da Unimed BH foi ampliado, com a oferta de outras especialidades, mesmo não relacionadas à Covid-19. Atualmente, a média é de três mil atendimentos diários de telemedicina. Além desse projeto, o Centro de Inovação é responsável por iniciativas que reduzem custos e ampliam a capacidade de atendimento ao cliente por meio do uso da inteligência artificial.
O diretor administrativo da Unimed-BH, Eudes Magalhães, lembra que a telemedicina já era adotada de maneira intensiva em diversos países e as experiências mais arrojadas no Brasil começaram na década de 1990. A aposta, agora, é que ela siga em franca expansão.
“A pandemia acelerou uma discussão que já estava em curso sobre a evolução da prática, impulsionou o uso em massa e também demonstrou que o país já tem recursos tecnológicos e de segurança digital que conseguem suportar essa expansão, criando garantias de que este é um modelo que veio para complementar e aprimorar o trabalho dos profissionais de saúde, bem como criar alternativas que vão sofisticar o vínculo e a interação com pacientes daqui para a frente”, acredita.
MAPEAR TENDÊNCIAS
A futurologista Letícia Setembro destacou que a pandemia enfatizou muito a “ansiedade pelo futuro” e a “dificuldade de enxergar o caminho” para todos os tipos de empresas. Segundo ela, o exercício de desenhar futuros ainda é novo, mas deve ser encarado por todas as organizações, independentemente do tamanho.
Uma das grandes vantagens desse trabalho permanente de mapeamento é, justamente, tentar identificar oportunidades e riscos para o negócio a curto, médio e longo prazos. “A gente não vai vencer todas, porque não somos oráculos. Mas, ao tentar mapear a maioria dos possíveis caminhos, você começa a identificar mais oportunidades ou riscos do que você havia previsto e com isso desenha um mapeamento estratégico mais assertivo. Caso o seu cenário mais catastrófico aconteça, você já tem um plano de contingência. Ou, se caminhar para o seu melhor cenário de inovação, você já tem um plano de ação na manga”, aponta Letícia Setembro, sócia-diretora da IF.Futures e uma das autoras do estudo lançado pela OCB.
Para os futurologistas, o surto sanitário mundial é considerado um wildcard: um evento que tem baixíssima possibilidade de acontecer, mas gera um grande impacto na sociedade. “Sempre me perguntam se nós já sabíamos do que aconteceria. A pandemia já estava no radar, mas não poderíamos apontar como, quando, nem com que velocidade ela aconteceria, tampouco quais transformações e decisões seriam tomadas frente a esses gatilhos”, afirma Paula.
Durante o painel, Letícia destacou que a cultura de predição se desenvolve dentro de uma empresa ou cooperativa a partir do momento em que há pessoas dedicadas, periodicamente, a acessar materiais de tendência e observar esses movimentos. Ela recomenda que as cooperativas criem um núcleo de inteligência ou inovação que possa funcionar como um radar, acompanhando as tendências para entender a velocidade com que elas caminham, quais devem receber uma atenção maior ou podem representar uma ameaça ao negócio.
Um primeiro passo seria trabalhar — em workshops, por exemplo — os cenários de futuro. A partir deles, mapear oportunidades e riscos, e incluir esse detalhamento no planejamento estratégico da cooperativa. Por fim, manter o trabalho constante de monitoramento e avaliação das tendências para compreender se elas caminham conforme o esperado e quais devem ser os ajustes nas ações internas para acompanhar essa velocidade.
Não é um trabalho simples, mas o importante é tirar os pontos cegos, priorizar e começar a fazer hoje o que você quer alcançar amanhã”, destaca. “A gente tinha uma ilusão de que o futuro era linear; gostaríamos que fosse por um caminho, mas a gente não tem controle. A pandemia veio comprovar isso, mas é algo que as empresas já deviam saber”, complementa.
Paula destaca que há várias possibilidades de futuros e não precisamos ficar à mercê dos acontecimentos. Ao contrário, devemos procurar ser protagonistas. “A ideia do futuro desejável é justamente eu tomar ações no presente, para que eu possa construir ou protagonizar um futuro melhor para a minha organização, para a sociedade ou mesmo para mim, individualmente”, diz. “A mudança é a lei da vida, nós mudamos o tempo todo. Quem está só olhando para o passado e apagando fogo no presente, certamente vai perder o futuro”, complementa.
A mudança é a lei da vida, nós mudamos o tempo todo. Quem está só olhando para o passado e apagando fogo no presente, certamente vai perder o futuro.” Paula Abbas, futurologista
Ao tentar mapear a maioria dos possíveis caminhos, você começa a identificar mais oportunidades ou riscos do que você havia previsto e com isso desenha um mapeamento estratégico mais assertivo. Caso o seu cenário mais catastrófico aconteça, você já tem um plano de contingência. Ou, se caminhar para o seu melhor cenário de inovação, você já tem um plano de ação na manga.” Letícia Setembro, sócia-diretora da IF.Futures.
Esta matéria foi escrita por Amanda Cieglinski e está publicada na Edição 35 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação