Conheça as cooperativas de plataforma brasileiras
Duas iniciativas brasileiras já são consideradas referências internacionais em cooperativismo de plataforma. Uma delas é a Cooperativa de Plataforma Ciclos, criada em 2018, em Vitória, no Espírito Santo, a partir de uma iniciativa do Sicoob Central do estado.
A Ciclos oferece a seus cooperados planos mais baratos de telefonia móvel e internet. Resultado? Em um ano de efetiva operação, essa coop inovadora conquistou cerca de 14,5 mil associados e já faz planos de expansão. Em breve, ela também disponibilizará pacotes de planos de saúde e energia limpa.
Hoje nosso principal desafio está relacionado à expansão em nível estadual e nacional da Ciclos. Temos três verticais de atuação e muitas possibilidades, pois estas áreas não se limitam a apenas uma solução para nosso quadro de associados”, destaca Gustavo Bernardes, coordenador da cooperativa que pretende alcançar 20 mil cooperados ainda este ano.
“Se conseguirmos estabelecer, dentro de nossas áreas de atuação, soluções simples, de fácil acesso e que gerem valor ao nosso quadro de associados, arriscaria dizer que estamos inovando, se considerarmos a finalidade na qual fomos constituídos.”
Inovar também faz parte do vocabulário da Coopertáxi de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Com mais de 40 anos de existência, a cooperativa colhe hoje os frutos do enfrentamento à concorrência com as grandes plataformas de transporte. Além de operar pelo telefone e Whatsapp, a cooperativa criou uma plataforma própria para receber chamados.
Arregaçamos as mangas e começamos a usar as mesmas estratégias deles, inclusive dando 30% de desconto na corrida para o preço ficar equivalente”, conta Clauber Marcos Borges, presidente da Coopertáxi de BH.
A cooperativa também passou a oferecer cursos e palestras para atualizar os motoristas cooperados e garantir uma melhor qualidade de serviço. Outra estratégia foi o convênio com mais de 400 empresas. “Com a elevação no preço da gasolina, muitos motoristas deixaram o aplicativo e o nosso movimento cresceu 50%. Isso tudo já se reflete no aumento de cooperados. O valor da cota passou de R$ 5 mil para R$ 15 mil.”
As cooperativas de plataforma da área de transporte usam como atrativo para os cooperados o menor percentual de taxa administrativa. Cerca de 15% do rendimento dos motoristas cooperados ficam na cooperativa, enquanto as grandes plataformas multinacionais abocanham 25% a 30%.
Além disso, a taxa cobrada pela cooperativa tem a vantagem de se reverter em recursos para o desenvolvimento da economia local, permitindo a geração de renda e empregos na própria cidade. Esse é um dos motes da campanha publicitária da Podd (Pay On Demand), do Espírito Santo. O slogan da cooperativa é “Seja Capixaba, Seja Podd”. Além do aplicativo para chamados, os cooperados contam com seguro veicular, seguro saúde, convênio com plano de saúde, cartão digital, plano telefônico e dados, seguro de vida, aquisição de veículos facilitada e descontos em mais de 120 mil estabelecimentos. Benefícios aos quais os motoristas de aplicativos comerciais jamais teriam acesso.
MULHERES NA LIDERANÇA
O Brasil é um país com enorme potencial para o cooperativismo de plataforma. E por tratar do futuro das relações de trabalho, é fundamental que o assunto seja mais debatido pela sociedade.
Como vamos construir relações que não sejam só de exploração no seu limite mais precário e desumano? Construir um outro modelo é algo complexo, precisa de financiamento, demanda muito debate, mas precisamos pensar que é possível”, propõe Georgia Nicolau, co-fundadora e diretora do Instituto Procomum — organização não governamental criada para promover a um mundo comum entre diferentes.
Consultora em projetos de inovação social, Georgia foi aluna do criador do conceito do do cooperativismo de plataforma, o escritor Trebor Scholz. Parte dessa experiência ela aplica agora no projeto Grana.Lab. Trata-se de uma parceria com a rede alemã Supermarkt que vai permitir a realização de uma série de encontros virtuais sobre justiça econômica e novos modelos como cooperativas, criptomoedas, economias feministas e economia do comum.
Entre as experiências compartilhadas no Grana.Lab está a Señoritas Courier, um coletivo de mulheres e pessoas LGBTQIAP+ que fazem entregas de bicicleta por toda a cidade de São Paulo. O lema do coletivo é o trabalho com carinho e responsabilidade.
Integrante e fundadora do coletivo, Aline Os explica que uma das estratégias do Señoritas Courier é usar como valor agregado o impacto ambiental positivo que esse serviço, carbono zero, traz para uma das maiores cidades da América Latina.
Como trabalhamos somente com bicicletas, nossas entregas não liberam gases do efeito estufa na atmosfera. Nosso desafio atual consiste em desenvolver uma cooperativa de plataforma para coletivos de entregadores, além de olhar para a inclusão digital das pessoas que fazem entrega (a maioria não tem computador), pois acreditamos que esta é a única forma de combater os abusos de aplicativos comerciais”, destaca Aline.
Ainda segundo a fundadora da Señoritas Courier, são necessários subsídios do governo e redução da taxa tributária para que os coletivos de ciclo entregas se organizem enquanto cooperativas de plataformas no Brasil.
No sul do país, mulheres da Puma Entregas, em Porto Alegre, vivenciam dificuldades bem semelhantes às experimentadas pelas entregadoras da Señoritas Courier. O coletivo gaúcho surgiu em plena pandemia, por iniciativa de um grupo de mulheres que já tinham passado por aplicativos de entrega. Uma vez cadastradas e nas ruas, elas comprovaram que muitos desses sistemas restringem a demanda para mulheres entregadoras. Daí a ideia de criar a Puma, que atende prioritariamente novos empreendedores, especialmente aqueles que aproveitaram o isolamento social para oferecer produtos personalizados, como cestas de café da manhã e cosméticos artesanais. Como a maior parte deles tem como foco clientes que moram em um raio de distância próximo, fica mais fácil realizar a entrega dos produtos usando a bicicleta.
Criadora e integrante da Puma, Carol Corso conta que, em apenas um ano, foi possível estabelecer com fornecedores e consumidores uma relação de trabalho mais humanizada e digna. Por outro lado, ela reconhece ainda ser difícil escapar das grandes plataformas quando não se tem todas as ferramentas tecnológicas.
O apagão do Whatsapp mostrou que somos reféns e dependentes de aplicativos, mesmo quando não trabalhamos para grandes plataformas de entrega”, alerta Carol.
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Onde aprender mais sobre o assunto?
Cooperativismo de Plataforma — curso online, gratuito, oferecido pela plataforma de ensino à distância do Sistema OCB, o CapacitaCoop.
Esta matéria foi escrita por Juliana César Nunes e está publicada na Edição 36 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação