Em busca da autonomia
Seja a partir do sol, do vento, da água da chuva e de rios ou de matéria orgânica, o cooperativismo brasileiro tem encontrado maneiras inovadoras de gerar de energia limpa, com sustentabilidade e eficiência.
A crescente demanda pelo insumo — devido à intensa produção cooperativista e à melhoria da qualidade de vida dos cooperados — levou centenas de cooperativas a buscarem produzir a própria energia. Objetivo inicial? Reduzir despesas. Ganhos adicionais: autonomia energética, geração de empregos e muito aprendizado sobre como aproveitar melhor (de forma racional e sustentável) todos os recursos disponíveis em cada propriedade.
Esse movimento começou mais ou menos em 2014, quando identificamos que a energia era um insumo fundamental para a nossa produção e qualidade de vida. O cooperativismo produz muito, o que demanda muita energia. Visando o princípio da autogestão do cooperativismo, então, por que não criar mecanismos para gerar a própria energia?”, relembra Marco Morato, analista técnico e econômico do Sistema OCB.
Na época, o país enfrentava problemas de escassez de energia elétrica, com blecautes em vários estados e risco de apagão geral. A crise impulsionou algumas cooperativas a empreender na geração de energia para autoconsumo ou distribuição para outras entidades.
“Voltamos os olhos para essas políticas públicas que viabilizassem a autonomia do cooperativismo na geração de energia”, completa Morato.
E não são apenas as cooperativas de infraestrutura e energia que estão engajadas na expansão do setor energético. Os ramos de saúde, crédito, agro, transporte também têm impulsionado projetos de geração de energia de forma integrada e sustentável.
A partir do momento em que eu gero minha própria energia ou formo uma cooperativa de consumidores, eu estou gerando emprego e renda na minha região. Dependendo do arranjo, estou contribuindo para a manutenção da nossa matriz energética. A produção de energia renovável pode contribuir para que o Brasil reduza o consumo de combustíveis fósseis e mantenha seus recursos naturais”, destacou Morato.
INOVAÇÃO E RESPONSABILIDADE
Em Minas Gerais, uma parceria firmada no finalzinho de 2020 entre a Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg) e o governo estadual reflete a nova tendência de autossubsistência energética, mas com um diferencial que só o sistema cooperativo têm: o olhar para as necessidades da comunidade. Dessa forma, as usinas solares que estão sendo construídas para fornecer energia às cooperativas doarão o excedente aos hospitais públicos e entidades filantrópicas de assistência à saúde.
A iniciativa faz parte do Projeto de Energia Fotovoltaica do Cooperativismo Mineiro e foi construído com base em três pilares:
- o econômico, com redução de gastos e economia de recursos;
- o ambiental, com a geração de energia limpa;
- e o social, suprindo as necessidades das entidades de saúde pública de Minas Gerais.
“Devido ao alto custo da energia elétrica, nós constituímos um comitê interno com representantes de diferentes áreas e começamos a desenhar um projeto que atendesse às cooperativas mineiras na área de energia. E o projeto foi ganhando corpo com esse teor social. Surgiu da necessidade de atender à crescente demanda por energia limpa. Quando entrou o social, o projeto ganhou um fôlego grande”, explicou Alexandre Gatti, superintendente da Ocemg.
Pioneiro no país, o projeto foi aprovado pelos conselhos do Sescoop e da Ocemg em dezembro e já conta com a participação ou solicitação de adesão de pelo menos 19 cooperativas. A iniciativa, entretanto, está aberta a todas as 800 cooperativas do estado, independentemente do ramo de atuação. “Com essa parceria com o governo, esperamos que o projeto fique mais robusto e atinja um número grande de cooperativas no estado”, afirma Gatti.
INVESTIMENTO NA SAÚDE PÚBLICA
Em Belo Horizonte, o convênio com o governo estadual permitirá que o excedente de energia gerado pelas usinas a serem construídas por quatro cooperativas – Coopmetro, Credicom, Crediminas e a Cooperativa Central dos Produtores Rurais (CCPR), além da Ocemg – seja doado para suprir as contas de luz da Santa Casa de Misericórdia, o maior hospital da rede SUS de Minas Gerais, com 1086 leitos, sendo 170 de UTI. É um hospital imenso que presta um serviço importante para a sociedade”, destacou Gatti.
O custo mensal da Santa Casa com energia gira em torno de R$ 105 mil.
Em 12 meses, é mais de R$ 1 milhão que vai deixar de ser gasto e poderá ser investido em novos leitos de UTI, na aquisição de respiradores, na ampliação da rede de atendimento. Em um momento de pandemia, em que os hospitais estão sobrecarregados com estrutura precária, a Santa Casa passará a ter uma renda extra para investir na sua estrutura”, comenta o superintendente da Ocemg.
Para as cooperativas, a economia varia dependendo do porte. Na sede do Sistema Ocemg, por exemplo, o custo mensal de energia é de R$ 22 mil, mas tem cooperativa que gasta R$ 100 mil, outras R$ 5 mil. A expectativa é que em cinco anos depois do início das operações as cooperativas não paguem mais tarifa de energia.
Não haverá contrapartida financeira do governo estadual, que auxiliará na construção das usinas viabilizando a parte burocrática, de legislação, com questões técnicas de licenciamento. Ainda não há previsão de quando as usinas começam a operar.
A CCPR abraçou imediatamente essa causa devido à sua magnitude em vários aspectos: social, sustentável e cooperativista. Vimos na iniciativa uma oportunidade de unir cooperativas e contribuir com o desenvolvimento das comunidades. É uma ação de sustentabilidade, de preservação do meio ambiente, uma iniciativa que deve ser seguida por outras cooperativas brasileiras porque temos esse compromisso com a sociedade”, destacou Marcelo Candiotto, produtor rural e engenheiro civil que preside a CCPR.
A parcela energética da CCPR será direcionada à Santa Casa de Belo Horizonte por meio de um convênio a ser firmado com a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). E a energia será produzida na usina que será implantada em breve na Fazenda da CCPR em Sete Lagoas (MG).
Mais que os benefícios sociais, o projeto contribuirá para minimizar o fluxo da demanda na rede pública de energia, segundo Candiotto. “Temos alta demanda elétrica. Ao produzirmos nossa própria energia, vamos desafogar também a rede de distribuição da CEMIG.”, ressalta.
Dividido em etapas, o projeto de energia fotovoltaica também atuará nas cidades do interior que sediam ou recebem serviços de outras cooperativas do Sistema Ocemg.
METAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A geração de energia de forma sustentável e eficiente pelo cooperativismo está alinhada aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) – um plano de ação, com metas a serem cumpridas até 2030, para transformar o mundo em um lugar melhor para todos.
Entre as metas estabelecidas pela ONU, o projeto mineiro abarca o incentivo à energia limpa e acessível; a preocupação com a saúde e o bem-estar da comunidade; além do acesso a emprego digno e desenvolvimento econômico.
A diferença do cooperativismo é devolver os bons resultados à comunidade onde a cooperativa está inserida. Quando a cooperativa gera energia, vai gerar empregos, impostos para o município, ao doar para o hospital, a sociedade está sendo diretamente impactada”, reiterou o superintendente da Ocemg, Alexandre Gatti.
Inicialmente, o foco do projeto será a geração de energia solar, mas o sistema cooperativo mineiro já está de olho no potencial do estado para energia eólica e outros tipos de fontes energéticas.
O cooperativismo vem fazendo história e a diferença, principalmente nesse momento de crise. Aqui em Minas, o cooperativismo cresceu muito, principalmente crédito, saúde, agro e transporte de carga. Então, acreditamos que o cooperativismo pode inspirar outros sistemas a fazer iniciativas semelhantes. Sem contar a questão da intercooperação, estimulando a geração de energia de forma conjunta”, completou Gatti.
Esta matéria foi escrita por Débora Brito e está publicada na Edição 32 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação