Guardiã da semente
Uma das lideranças mais jovens do cooperativismo Agropecuário mora no Rio Grande do Sul e preside a Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (Coomafitt). Micheli Bresolin tem 32 anos e é formada em matemática. A família trabalha com o cultivo de banana há três gerações, produção que começou com os avós maternos.
Minha avó capinava de guinchado. Minha mãe nasceu e cresceu naquela propriedade. Casou-se e permaneceu ali. Eu saí pra estudar, mas já pensando em voltar”, conta Micheli. Hoje, a família trabalha com a produção de banana orgânica voltada, principalmente, para o mercado de alimentação escolar. A transição para um cultivo sem agrotóxico teve a ajuda da Coomafitt, cooperativa criada há 15 anos.
“Foi necessário adaptar a produção para o uso de roçadeira e biofertilizantes. Durante a transição, houve queda na produtividade, já que as bananeiras estavam acostumadas a crescer com a adubação química. Quando você tira isso, a produção decai, mas, com as técnicas adequadas, logo volta a subir”, explica a agricultora, que, além de cursar matemática, fez curso de manejo do açaí e gestão comercial. Em 2015, iniciou a carreira na Coomaffit. Primeiro, como funcionária; depois, como cooperada e diretora.
Na presidência da cooperativa desde março de 2021, Micheli lidera 272 pequenos produtores, compartilhando com eles as experiências da própria família. No contato diário com os cooperados, mostra como o cooperativismo pode melhorar a vida dos agricultores, que deixam de depender de atravessadores para comercializar seus produtos. O objetivo é alcançar autonomia e garantir um preço justo pela produção. A diversificação dos cultivos e a parceria com as escolas também são caminhos defendidos por ela.
A presidente da Coomaffit reconhece que, nos últimos anos, houve um aumento da liderança feminina no cooperativismo e no agro. Antes, as cooperadas trabalhavam apenas em casa e na roça. Os homens assumiam a parte comercial.
As mulheres não tinham sequer talão para emitir nota fiscal no nome delas. É um longo histórico de submissão. Temos atuado para mudar isso, por meio de rodas de conversa e formação”, conta.
Outro eixo de trabalho de Micheli é a juventude. Ela quer garantir a permanência dos jovens no campo. Para isso, estabelece parcerias com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e a Redecoop — cooperativa de abastecimento de alimentos da agricultura familiar que fomenta a intercooperação no campo — para a realização de cursos e assistência técnica. Com o apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ofereceu até mesmo um curso sobre liderança de jovens e mulheres.
Durante a pandemia, um dos maiores desafios da presidente da Coomafitt foi manter as cooperativas motivadas. Com o fechamento das escolas, o escoamento da produção sofreu um grande impacto. A alternativa foi investir nas vendas on-line para os municípios do litoral gaúcho. A cooperativa chegou a entregar cerca de 100 cestas semanais.
Este ano, a estratégia de ampliação de vendas está focada no aumento da certificação da produção agroecológica e na adoção de ferramentas de rastreabilidade, que oferecem ao consumidor a possibilidade de checar por QR Code a procedência dos produtos dos cooperados — principalmente da banana orgânica.
Estou tão focada no nosso trabalho que levei até um susto quando fui avisada do prêmio da Forbes. Nunca imaginei que pudesse causar um impacto tão grande. Os homens perguntam como conseguimos chegar lá. Parece até que não é pelo nosso esforço”, reclama Micheli, que hoje se vê como uma mulher representando outras.
“A mulher na história sempre foi importante para a agricultura familiar. A mulher é a guardiã da semente. Estamos desafiando a lógica do machismo. A mulher é capaz de produzir, coordenar e mostrar para tantas mulheres que elas podem se desafiar, e que vai dar certo.”
Esta matéria foi escrita por Juliana Nunes e está publicada na Edição 37 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação