O café delas
A história das mulheres da Cooperativa de Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam) combina com uma xícara de um bom café: forte e inspiradora. A presidente da cooperativa, Vânia Lúcia Silva, 48 anos, é um exemplo desse caminho feminino de conquistas. Sua história no cooperativismo começou quando a Coopfam ainda era uma associação de produtores de café orgânico. Assim como outras mulheres, ela acompanhava o marido nas reuniões, e o que era um grupo de amigas tornou-se uma rede de mobilização.
A gente ficava ali do lado de fora, aguardando os maridos, e formou-se um grupo. Começamos a buscar formações, cursos de pintura em tecido, de compotas, para buscar uma fonte de renda. E dessas conversas nos cursos foi despertando o interesse em participar ativamente dos trabalhos da associação”, lembra Vânia.
Com a formalização da cooperativa, em 2003, a vontade de participar cresceu e em 2006 foi oficialmente criado o grupo Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade (MOBI).
“No período em que a cooperativa foi formalizada, uma das nossas colegas ficou viúva, e precisou assumir toda a responsabilidade da propriedade dela e entrar como cooperada. Quando teve a primeira assembleia, ela ficou bastante insegura, porque as mulheres não participavam. Então, algumas mulheres foram acompanhá-la, o grupo ganhou força e mais mulheres passaram a ser cooperadas a partir disso”, conta.
A atuação do grupo cresceu em diversas frentes e, em 2016, Vânia foi indicada pelo MOBI para concorrer a uma vaga na diretoria, tornando-se vice-presidente da Coopfam. Em 2018, chegou a hora de disputar a presidência.
Enfrentei muitos preconceitos, esse ainda é um mundo muito masculino. Porque são produtores rurais, a maneira como foram educados é aquela mentalidade de que a mulher não é capaz. A insegurança foi muito grande por parte de alguns cooperados, principalmente dos mais velhos, os pioneiros. Eles tinham medo de deixar a cooperativa nas mãos de uma mulher”, conta.
NOTAS DE MEL
Mesmo com a resistência da "velha guarda", Vânia foi eleita e, com muita dedicação, mostrou que competência não tem gênero.
“Temos que buscar nosso espaço, mas é mostrando resultados — eu ainda não vejo outra forma. Infelizmente, temos que ficar provando o tempo todo. Sempre tive consciência, quando entrei na presidência, de que eu teria que trabalhar muito mais do que os outros presidentes, que eram homens, para provar que eu era capaz”, compara.
As mulheres seguem ocupando espaços nos conselhos da Coopfam e também no portfólio de produtos: uma das marcas da cooperativa é o Café Feminino, que busca valorizar o papel da mulher na produção do grão. “A cooperada e a esposa do cooperado participam de todo o processo da produção do café. Desde o manejo, mas principalmente no pós-colheita. Ela influencia muito na questão da qualidade do café, já que ela tem todo esse cuidado.” É um café especial, com notas que remetem a chocolate, leite e mel — traz sabor de conquista e renda às produtoras.
Nós queremos caminhar lado a lado com os nossos maridos, com os nossos colegas de trabalho, de mãos dadas, nunca à frente, sempre somando forças. Contribuindo para que, juntos, a gente construa uma comunidade melhor, uma cooperativa mais fortalecida e mais qualidade de vida para as nossas famílias”, define Vânia.
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ALGUNS NÚMEROS
A participação feminina na cooperação é diferente em cada parte do país: Ceará e Amazonas são os estados em que a presença delas é maior, inclusive superando a masculina: 55% e 61%, respectivamente. Entre os ramos, destacam-se os segmentos de Consumo e Saúde, em que elas já representam mais da metade (51%) dos cooperados. Os ramos Agro e Transporte são ainda majoritariamente masculinos: 85% e 89% dos participantes são homens, respectivamente.
Fonte: Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2020.
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Esta matéria foi escrita por Amanda Cieglinski e está publicada na Edição 33 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação