Olhar maduro

Para muitas pessoas a cooperativa é a oportunidade de sustentar a família, além da conquista da casa própria – por meio de projetos habitacionais da cooperativa – e de estudos, também pelas parcerias com instituições educacionais. "Temos sócios com mais de 80 anos de idade que desempenham brilhantemente suas atividades e são gratos pelo trabalho, que lhes dá prazer de viver, em primeiro lugar”, afirma a presidente da Cooperativa de Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa), Imanjara Marques de Paula.

Imanjara Marques de Paula, presidente da Cooperativa de Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa)

Aos 69 anos,  Sandra Chaves é uma dessas cooperadas que não pretende deixar de trabalhar. Associada da Cootravipa desde 1991, ela foi supervisora da varrição durante 30 anos. Hoje, exerce a função de auxiliar de serviços gerais nos sanitários públicos do centro da capital gaúcha. Com o trabalho na cooperativa, criou os cinco filhos e construiu a casa própria.

A Cootravipa é tudo para mim, eu vivo pela Cootravipa. É uma porta aberta para quem precisa de ajuda e de traballho”, confessa.

A presidente da instituição, filha dos fundadores da cooperativa, orgulha-se de sempre ouvir depoimentos como esse.

Nossa missão é oportunizar acesso ao trabalho e proporcionar renda àqueles que não se enquadram no perfil do mercado, além dos idosos, muitos deles responsáveis pela renda familiar. Eles merecem mais do que nossa acolhida, merecem nosso respeito pela experiência e o muito que têm a nos ensinar”, elogia Imanjara.

Fundada em 15 de julho de 1984, a Cootravipa é oriunda do movimento comunitário da Zona Sul de Porto Alegre, mais precisamente da Grande Cruzeiro, onde, na década de 80, mais de 3 mil desempregados viviam com suas famílias à margem da sociedade, muitos deles sem trabalhar há mais de nove meses. A União de Vilas e comunidade decidiram montar acampamento na Praça da Matriz, para reivindicar junto aos governos municipal e estadual uma solução para o desemprego e miséria. A oferta foi de 200 vagas de trabalho pela Prefeitura. 

Animada com a possibilidade, a comunidade começou a discutir a proposta de abrir uma cooperativa. “Naquela época, eram necessárias 20 pessoas com capital suficiente para pagar a cota-capital, mas a maioria era desempregada. Foi organizada uma arrecadação para quem não tinha o valor necessário e cada um colaborou com o que podia”, conta Imanjara Marques de Paula. A Cootravipa iniciou com 23 fundadores: 18 homens e cinco mulheres. Atualmente, são 706 mulheres no quadro de sócios, de um total de cerca de 2.500 associados. 

DNA PARA INCLUSÃO 

O advogado Waldyr Colloca, 54 anos, especialista em direito cooperativo, considera as cooperativas importantes ferramentas de inclusão social e financeira, à disposição de qualquer pessoa ou grupo.

Elas são uma sociedade ferramental, um utensílio, não têm um fim em si mesmas, só têm sentido se estão nas mãos das pessoas. Qualquer pessoa ou grupo que se junta tem potencial para criar uma cooperativa”, afirma.

No atual cenário econômico — em que não há vagas para a grande massa que está procurando emprego, no auge da capacidade produtiva —, fica ainda mais difícil encontrar alternativas para quem está à margem da sociedade, seja porque são mais velhas, seja porque já foram ou estão presas. Nessa realidade, o cooperativismo faz sentido, por juntar o saber fazer com um projeto.

As cooperativas fazem muito sentido para idosos, ex-detentos e detentos, mas não são um modelo criado para eles; não têm essa intenção intrínseca, mas podem ser utilizadas para esse fim. Há vários projetos bacanas que se preocupam com a reintrodução das pessoas a partir dos 50 anos no mercado de trabalho. O mais legal seria formar não uma cooperativa só de idosos, mas com uma mistura de idades. Ambos os grupos têm muito a ensinar e a aprender em um mundo que descarta uma geração mais antiga e pega uma nova”, considera Waldyr Colloca.

Ainda segundo Colloca, quando se fala em cooperativismo para pessoas acima dos 50 anos, não faz muito sentido pensar em outro ramo que não o das cooperativas de trabalho. “Enquanto as demais cooperativas servem para incluir ou reincluir empreendedores de qualquer idade no mercado de negócios, as cooperativas do ramo de serviços são aquelas que, por natureza e vocação, se consubstanciam na mais preciosa e adequada ferramenta de reinserção dos profissionais excluídos no mercado de trabalho”, explica.

De fato, cooperativas são instrumentos de inclusão, jamais de isolamento. Por isso, elas deveriam abrir espaço para pessoas de todas as idades. “Me parece uma ideia bastante plausível e interessante que a ‘comunidade madura’ se reúna em torno de um projeto cooperativista; não há dúvida nenhuma de que faz mais sentido ainda que esse mesmo grupo, visando não só a integração entre gerações, como também — e sobretudo — a inversão dessa perversa lógica, segundo a qual uma geração precisa desaparecer para dar lugar à outra, aceite de braços abertos o ingresso de associados mais jovens”, finaliza o advogado.


Esta matéria foi escrita por Freddy Charlson e está publicada na Edição 37 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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