Plataformas mais justas e sustentáveis
A pandemia da Covid-19 aumentou a demanda por serviços e produtos oferecidos por meio de plataformas — aplicativos e sites que entregaram comida, remédios, informação e entretenimento para milhões de pessoas em isolamento social. Mas antes mesmo de ouvirmos a expressão lockdown, especialistas já falavam na “plataformização” da economia, ou seja, em um novo modelo de negócios e geração de renda mediado por gigantes como Uber, Amazon, Airbnb e Netflix. Um mercado capaz de crescer em escala, muitas vezes explorando trabalhadores anônimos e precarizados.
Nesse cenário, o cooperativismo tem se mostrado, cada vez mais, como um caminho capaz de transformar a economia de plataforma, trazendo mais equilíbrio, justiça social e sustentabilidade para quem trabalha ou utiliza esses ambientes virtuais, criados justamente para conectar quem produz a quem consome.
Para se ter ideia, hoje, grandes aplicativos de transporte chegam a ficar com 30% dos valores pagos pelos usuários aos motoristas. Já as cooperativas que operam nesse setor retém entre 10% e 15% em forma de taxa administrativa que são revertidas em favor dos próprios cooperados. E por serem os verdadeiros donos do negócio, os motoristas, além de aumentar seus rendimentos, participam da gestão do negócio e podem definir os rumos do empreendimento.
Para impulsionar a abertura de cooperativas na área de plataforma, o Sistema OCB lançou em setembro, por meio da plataforma de EAD CapacitaCoop, um curso de três módulos sobre o tema. A aula magna contou com a participação do doutor em Direito Mario De Conto, professor, pesquisador e diretor geral da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop).
A cooperativa de plataforma se torna valiosa quando consegue escalar, ou seja, atingir muitos usuários. A estratégia de negócios é fundamental para o sucesso de uma cooperativa nessa área, bem como a utilização de soluções tecnológicas inovadoras”, ressalta De Conto. Para ele, o cooperativismo de plataforma revoluciona à medida em que coloca os trabalhadores como protagonistas do negócio. A ideia é trazer a propriedade e gestão da plataforma para as mãos de quem nela trabalha.
Ainda de acordo com o pesquisador, alguns entraves legais dificultam o aumento no número de cooperativas de plataforma no Brasil. O fato de a lei geral das cooperativas não permitir sócios-investidores é um deles. Uma alternativa para superar esse problema é a parceria com cooperativas de crédito, incubadoras e startups.
Na Inglaterra, organizações como a Start.coop e Unfound oferecem assistência técnica e financeira para cooperativas interessadas em ingressar no mercado de plataformas. No Brasil, a OCB também inovou e lançou duas edições do programa InovaCoop Conexão com Startups. A primeira delas visa a intercooperação e o desenvolvimento de ambientes digitais para cooperativas que atuam na área de saúde, serviços e transporte. O programa está na fase de desenvolvimento dos projetos piloto.
Cooperativismo de plataforma é um tema que tem despertado interesse do nosso público já há um bom tempo. E o cenário de pandemia e de digitalização que estamos vivendo ampliou fortemente essa atenção. Estudos e pesquisas de tendência mostram um crescimento significativo nesse setor, um movimento do qual o cooperativismo não pode e nem irá ficar de fora”, garante a gerente geral da OCB, Fabíola Nader Motta.
CASES INTERNACIONAIS
A busca por parceiros e novos caminhos para o cooperativismo de plataforma também mobiliza cooperativas europeias. Um bom exemplo disso vem da área de turismo. A Fairbnb é um aplicativo cooperativista de locação de imóveis a preço justo e com foco em nos princípios do turismo sustentável. Desde 2016, ela reúne os donos de imóveis aos locatários de países europeus. A taxa de administração para a cooperativa é de 15%. Metade desse valor vai para projetos que fortalecem as comunidades onde estão localizados os imóveis.
Durante a fase mais aguda da pandemia, a Fairbnb enfrentou a crise estimulando os cooperados a reformar os imóveis e seguir em conexão com as comunidades. O resultado desse esforço foi o lançamento de uma nova versão da plataforma em junho deste ano, com mais roteiros e projetos apoiados. A atuação cooperada e em rede se mostrou como um valor agregado para a concorrência com as empresas do setor de turismo.
A desaceleração econômica mundial ensinou o valor de estratégias como trabalho por nicho e em intercooperação (nacional e internacional). A utilização de ferramentas de governança digital já permitidas no Brasil, como assembleias gerais remotas, fizeram a diferença para cooperativas como a Stocksy, que reúne mais de 2 mil fotógrafos e produtores audiovisuais de vários países.
A agência fundada em 2013 no Canadá distribui produções artísticas que atraem principalmente o mercado publicitário. De 50% a 75% das licenças de uso de imagem são pagas diretamente para os artistas cooperados. O banco de imagens sobre a vida na quarentena foi um dos mais procurados nos últimos meses. Mais uma prova de que muitas mentes em sintonia conseguem inovar e manter o fluxo de negócios mesmo em tempos difíceis.
Esta matéria foi escrita por Juliana César Nunes e está publicada na Edição 36 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação