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Sinais de amor

Brasília (2/12/19) – Os olhos, atentos, acompanharam cada gesto e cada sinal enquanto o coração de Alani Cristina Melo, de 38 anos, pulsava forte de alegria. A cada segundo que passava, era difícil controlar a emoção. Os meses de preparo tinham ficado para trás e, finalmente, era chegado o momento de trazer uma nova vida ao mundo. Um mundo que, para Alani, é de silêncio.

Surda desde o nascimento, ela cresceu sem ouvir o canto dos pássaros, o barulho do mar ou a voz da própria mãe. Em compensação, aprendeu a prestar atenção nos rostos, nas mãos e nos sentimentos das pessoas. Como a maioria das meninas da sua idade, sonhava casar e ter filhos. E foi em uma partida de vôlei que sentiu o coração bater diferente. Na quadra — jogando, como ela — estava Claudinei Melo, também surdo. Os dois estavam a passeio e se divertiam com o esporte na cidade de Uberaba. Ela ainda não sabia ao certo quem ele era, mas conseguia afirmar uma coisa: estava apaixonada. “Foi amor à primeira vista”, ela conta, em gestos que vêm acompanhados de um sorriso. E foi aí que tudo começou.

Foram quatro anos de namoro até o casamento, em novembro de 2016. Ambos queriam ter filhos, mas temiam os problemas que viriam. Como ouviriam o bebê chorar? Como saber se tudo estava bem, se não podiam contar com um dos sentidos? Mesmo com medo, decidiram arriscar. Em 2018, Alani engravidou e buscou apoio na Unimed Catanduva (SP). Lá, encontrou tudo o que desejava e muito mais. Sensibilizada com a história do casal, a cooperativa decidiu fazer um pré-natal 100% inclusivo, com direito a intérprete de Libras até no parto.

“A ideia surgiu, no começo, da necessidade. Precisávamos de uma ponte de comunicação entre os nossos profissionais e o casal. Mas decidimos ir além. A gente via que a alegria das mães, na sala de parto, é escutar o choro da criança. E queríamos que a Alani sentisse a mesma emoção, mesmo sem conseguir ouvir”, explicou o doutor Matheus Schuerewegen, diretor de desenvolvimento da Unimed Catanduva e um dos idealizadores do projeto de intérpretes no parto.

 

PRIMEIRO PASSO

Com a notícia da gravidez, a intérprete de Alani, Diane Martins, inscreveu o casal no curso Bê-á-Bá Bebê, oferecido gratuitamente pela Unimed Catanduva a seus beneficiários e também a pacientes particulares. O curso trata de todas as fases da gestação e do puerpério (pós-parto), e conta com acompanhamento de nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e médicos.

Para não perder nenhum detalhe das aulas, Alani e Claudinei contavam com uma intérprete da própria Unimed, Daniela Fernandes Moraes. “Eles eram bem participativos. Sorridentes. Carismáticos e prestativos. Foi uma relação muito prazerosa”, comenta a coordenadora do curso e enfermeira de Medicina Preventiva, Virginia Grandisoli.

A intérprete também acompanhou o casal em todas as consultas de pré-natal, com o ginecologista e obstetra Antonio Tadeu Tartaglia. Foi ele quem respondeu a todas as dúvidas do casal e cuidou da saúde da mãe e do neném, inclusive durante o parto. “A Alani era tranquila e não teve nenhuma complicação durante o pré-natal. Eu só brincava com ela a respeito do peso, pois ela era muito magrinha. Fiz uma dieta regada a vitaminas e ela seguiu certinho, sem nenhum problema”, explica o médico.

Há quase 30 anos na profissão, Tartaglia revela que um dos momentos mais emocionantes dessa gestação foi a revelação do sexo do bebê. “Durante os encontros, o casal sempre conversava, em Libras, a respeito do assunto. Era curioso. Normalmente, as mães têm o instinto aguçado para acertar. A Alani sempre dizia que era uma menininha e o pai, um menininho. Até que se confirmou”, diz o dr. Antonio.

 

O PARTO

Dia 8 de maio de 2019. A emoção tomou conta de todo o centro cirúrgico do Unimed Hospital São Domingos (UHSD), que pertence à Unimed Catanduva. Médicos, enfermeiros e toda a equipe técnica aguardavam, ansiosamente, a chegada da pequena Elaine Cristina, filha de Alani e Claudinei. Era a primeira vez que um parto seria traduzido em Libras no hospital. Os olhares, curiosos, entregavam o anseio da equipe: como seria feita a tradução em Libras de um momento tão especial?

Com mais de 20 anos atuando como intérprete da linguagem dos sinais, a arte-educadora Nani Oliveira ficou encarregada de transmitir ao casal toda a emoção do que estava acontecendo. Desde a aplicação da anestesia até a chegada de Elaine ao mundo.

“Mágico” é a palavra com que Nani define todo o parto. Foi a primeira vez que ela assistiu e realizou a cobertura de um nascimento em Libras. “Nunca presenciei um momento de tanto amor. Imagine a emoção de poder transmitir a uma mãe o primeiro choro de sua filha e descrever como era forte e vigoroso. Chorei por estar ali. Aquele momento foi um presente para mim e para todos”, relata Nani, emocionada.

Alani chorou junto à intérprete quando entendeu os sinais. Claudinei, que também estava na sala de cirurgia, se emocionou. “A minha filha é linda”, gesticulou, em sinais.

Para os médicos, o momento foi de comoção e felicidade. “Eu me arrepio só de lembrar”, recorda o obstetra. A mamãe Alani concorda e, com as mãos, acrescenta: “Tudo isso, pra mim, é um sonho que se tornou realidade. Eu tenho a minha família agora”.

Elaine nasceu com 48 centímetros e pesando 3,2 quilos. Uma menina saudável, que escuta perfeitamente. Por ter pais surdos, será educada em duas linguagens: a verbal (português) e a não verbal (Libras). E você, meu caro leitor, não precisa se preocupar com o choro de Elaine. Ele é sempre ouvido, em alto e bom som, pela avó paterna, Hilda de Oliveira. Assim que a menina nasceu, ela se mudou para a casa do filho, com o objetivo de ajudar a cuidar da netinha. É mais um sinal de amor.

Depois da experiência de atender à família de Alani e Claudinei, a Unimed Catanduva decidiu ampliar o atendimento em Libras da unidade. A cooperativa iniciou, neste ano, o curso Mãos que falam, voltado para a capacitação de seus cooperados. A assistente social da Unimed Catanduva Melina Borges foi quem conduziu a primeira turma e ressaltou a importância da prática de inclusão. “É uma iniciativa que agrega valor e que inclui vidas. Não dá para vivermos em uma realidade onde a gente espera que os surdos façam a adaptação por si só”, explica a assistente.

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