Tânia, a mulher que faz
Ela está ajudando a mudar a imagem da Casa do Cooperativismo desde 2008, quando assumiu uma vaga de assessora na instituição. Pioneira, arrojada e inovadora, Tânia Zanella foi a primeira mulher a assumir a superintendência da Unidade Nacional do Sistema OCB. Antes disso, foi a primeira pessoa a assumir a Gerência-Geral da OCB — cargo que ajudou a criar e implementar, após ter sido a primeira mulher a assumir a Gerência de Relações Institucionais da instituição. Por essas e outras, Tânia foi eleita, em 2021, uma das 100 mulheres mais poderosas do agronegócio brasileiro pela revista Forbes.
A história da nossa superintendente começou no interior de Santa Catarina, na pequena cidade de Ipumirim. Em um tempo em que a tecnologia não mantinha as crianças somente em casa, ela gostava de subir em árvores, brincar de pique-esconde, pique-pega, bola de gude, queimada e de atirar com estilingue.
A gente vivia em um ambiente, eu acho, muito mais seguro do que vivemos agora”, compara. Líder desde sempre, era ela quem decidia as brincadeiras, que só acabavam quando a mãe, de dentro de casa, chamava alto as crianças — sujas de tanto brincar — para entrar.
Tânia é de uma família italiana. Os bisavós chegaram ao Brasil vindos de Gênova, cidade portuária da Itália, fugindo da guerra, da fome e da miséria. Os antepassados entraram no país por São Paulo e foram se espalhando pelo Sudeste, até o Sul. Os avós se estabeleceram em Santa Catarina e tiveram 12 filhos, sendo o mais novo o pai de Tânia. Além de agricultores — ofício que se perpetuou pelas gerações seguintes —, a avó de Tânia era professora de latim — profissão em voga na época. “Meus avós falavam praticamente cem por cento dialeto [variedade linguística regional da Itália]. Quando eu fui começar a fazer um curso de italiano [língua padrão do país todo], vi que era muito diferente”, recorda-se.
O pai de Tânia, Valdir Zanella, iniciou na carreira política muito cedo, aos 18 anos de idade. Chegou a ser prefeito do município, Ipumirim, por cinco mandatos. Enquanto ela seguiu os passos do pai em relação ao direito e à vocação política, o irmão mais velho seguiu a veia agrônoma da família, e hoje é quem dá continuidade aos negócios. Tânia fez todo o ensino fundamental em escolas públicas da cidade, formação à qual é muito grata. Aos 15 anos, decidiu mudar-se para Curitiba para continuar os estudos, pois, na cidade grande, teria condições melhores de alcançar os objetivos profissionais.
Eu tive que viver muito cedo longe dos meus pais. Foi uma experiência muito bacana, mas que me fez amadurecer muito cedo”, conclui .
Quase 30 anos mais tarde, quando levou seu atual marido, Raul Monteiro, para conhecer a família, ele ficou impressionado com a influência dos pais e dos avós na formação da amada.
Ela já estava com os meninos na casa dos pais [os dois filhos, Luiz Felipe e Isabel, do casamento anterior de Tânia], e eu fui conhecer a cidade de origem dela. E me impressionou muito a qualidade da cidade, que vinha do compromisso do pai da Tânia com a comunidade, pois ele teve cinco mandatos como prefeito. Essa parte da ligação da Tânia com a política, a capacidade de realizar coisas, a seriedade e o compromisso, ela puxou do pai. E da mãe, ela herdou a força, a energia. A mãe dela, em casa, não para, está sempre fazendo tudo. É uma família bem tradicional italiana, laços de família muito fortes. Então, me surpreendeu ver como essa origem tem a ver com as características dela hoje”, avalia o marido.
Entretanto, de todas as heranças que Tânia recebeu da família, a maior é, sem dúvida, afetiva: “Como eu tive um contato muito grande com meus avós, porque eles moravam com a gente, nossa casa estava sempre muito cheia. Foi isso o que me marcou: a casa cheia. Uma família de 12 irmãos, muitas visitas, a casa cheia de tios e primos. Essa coisa da família, de estar sempre ali, discutindo tudo, decidindo tudo em conjunto; aquela gritaria, que você não sabe se está falando ou brigando”, diverte-se a caçula, que acredita ter herdado também o hábito de elevar o tom de voz quando está entusiasmada.
AMOR ANTIGO
A paixão pelo cooperativismo é outra herança que Tânia recebeu da família. “Meu contato com o cooperativismo começou na infância, porque Santa Catarina é um estado extremamente cooperativista. Meus pais eram cooperados; então, eu já tinha esse contato e esse convívio ali”, explica.
Outra paixão antiga foram os esportes. Alta e esguia, Tânia era ponteira de um time de handebol, e das boas. Tanto que jogou profissionalmente, disputou o campeonato nacional pela Seleção Brasileira Juvenil e continuou praticando o esporte até o início da faculdade de direito, que cursou na Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
Logo que se formou, Tânia prestou exame para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e passou de primeira. Em seguida, começou a cursar a Escola Superior do Ministério Público, já com o objetivo de fazer carreira na instituição, na qual fizera estágio. Ela chegou a prestar concurso e trabalhou no Ministério por um período, mas, por questões financeiras, resolveu voltar para casa para montar o próprio escritório.
De volta a Ipumirim, ela mal teve tempo de desfazer as malas. Poucos dias depois, recebeu uma proposta que mudaria sua vida: Odacir Zonta, que já foi vice-prefeito e prefeito de Ipumirim, e deputado estadual por Santa Catarina por dois mandatos, deixaria a Secretaria de Agricultura do estado para se candidatar a deputado federal, e convidou Tânia para assumir a assessoria jurídica do gabinete.
Ele ganhou as eleições e, em princípio, não ia trazer ninguém para Brasília, mas, como eu tinha feito um bom trabalho com a administração da campanha, ele me convidou pro gabinete. Eu aprendi muito com o deputado, iniciei toda a minha carreira com ele e estou em Brasília por causa dele”, reconhece Tânia.
Foi na capital do país que Tânia conheceu o primeiro marido, com quem teve os dois filhos, Felipe e Isabel. “Passei um susto muito grande com meu primeiro filho. Ele teve um problema muito sério de saúde quando nasceu; então, foi talvez meu primeiro grande desafio na vida. O interessante era que não dependia de mim: dependia dele. Eu — que sempre fui muito afoita pras coisas, muito dinâmica em querer fazer e acontecer —tive de exercitar minha paciência: o tempo era dele, não meu. Hoje ele é um menino extremamente saudável e inteligente”, diz, grata.
Voltando à trajetória profissional, Tânia trabalhou com Zonta por todo o primeiro mandato federal, de 2003 a 2006, e até a metade do segundo, quando ele foi reeleito. Em 2008, o então superintendente do Sistema OCB, Ramon Belisário, a convidou para integrar a equipe de assessoria parlamentar da organização. Fabíola Nader Mota, atualmente gerente-geral do Sistema, lembra-se da chegada dela na empresa e de como se tornaram amigas e parceiras profissionais.
“Eu era estagiária na época e ela foi contratada como assessora parlamentar para apoiar nossos trabalhos de relacionamento com os Três Poderes. Ela já tinha uma convivência bem legal com a equipe do Sistema, porque trabalhava para o deputado Zonta, que era o presidente da Frente Parlamentar do Cooperativismo. A gente já dialogava muito com ela, para nos apoiar nos temas que estavam tramitando e diziam respeito ao cooperativismo. Ela era o nosso apoio lá no Congresso e, como já conhecia muito sobre o coop, foi convidada para trabalhar aqui, ajudando a profissionalizar ainda mais o nosso trabalho de relações governamentais, que hoje já foi ampliado para Relações institucionais”, recorda-se.
MENTORA
A capacidade de sonhar e realizar foi a grande característica que a trouxe para o Sistema OCB e marcou sua trajetória na organização. Quando Ramon a convidou, o projeto deles era justamente estruturar a Gerência de Relações Institucionais da organização. Infelizmente, Ramon faleceu em abril daquele ano, devido a um acidente de carro, apenas um mês depois da chegada de Tânia. Foi um grande baque para a recém-chegada, que, no entanto, não esmoreceu e levou a cabo a missão, com toda a equipe.
Tânia foi a minha mentora durante toda a minha carreira, sempre me apoiando, me dando oportunidades, me ensinando, apoiando ideias malucas e propondo ideias, também, sempre inovadoras, ousadas. A gente sempre teve um trabalho muito forte de parceria, uma relação de muito respeito que cresceu, também, para ser, inclusive uma, uma amizade”, reconhece, com alegria, Fabíola.
Na mesma época, Tânia engravidou da segunda filha, Isabela. Quando voltou da licença-maternidade, o presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, a convidou para assumir a Gerência de Relações Institucionais, cargo que ela ocupou de 2008 a 2012.
Esse foi apenas o pontapé para novos desafios e estruturações na casa. Já havia no planejamento estratégico da instituição a previsão de contratação de um gerente-geral — cargo que, até então, não tinha saído do papel. Mais uma vez pioneira, Tânia foi a primeira pessoa a assumir o cargo, em 2012, e lá ficou até o ano passado, quando assumiu a superintendência da casa.
Foi uma escolha natural”, disse Márcio Lopes de Freitas. “Tânia é uma profissional respeitada na Casa, benquista nos estados e muito dedicada ao cooperativismo. Era muito lógico, para mim, que ela assumisse essa posição. Não a escolhemos como superintendente para cumprir algum tipo de cota na instituição. Ela vinha de uma carreira muito muito bem-sucedida: foi gerente; depois, gerente-geral, e agora é superintendente. É justo.”
A pergunta que fica agora é: que novidades Tânia ainda trará para o Sistema OCB? Se considerarmos a trajetória dela até aqui, o certo é que ainda virá muita inovação, competência e pioneirismo.
O que mais me chama atenção na Tânia é a competência dela, sem dúvida, mas, principalmente, a vontade de realizar as coisas. Ela é uma pessoa extremamente focada, que tem uma missão, um objetivo. Ela tem isso claro de que essa missão dela é desenvolver e fazer a diferença na vida das nossas cooperativas, e para isso, dedica todo o esforço, toda a atenção, e não deixa nada tirá-la desse curso. Ela é uma pessoa que gosta de inovação, e exige inovação constante da equipe dela. Nada pode ficar no mesmo lugar, do mesmo jeito, tem que estar sempre melhorando e criando”, elogia Fabíola.
Sucessora de Tânia no cargo de gerente-geral do Sistema OCB, Fabíola também destaca o cuidado com a equipe. “Ela gosta de conhecer as pessoas, entender quem está cuidando de cada projeto, e agradecer à pessoa pela dedicação, pelo compromisso. Mas ela exige, também, o mesmo compromisso e dedicação que ela tem. Afinal, ela quer garantir que a gente entregue os resultados que as cooperativas merecem e esperam da Unidade Nacional.”
Para finalizar a matéria, vale destacar que Tânia é uma dessas mulheres que podem se orgulhar de serem felizes na carreira e no amor. No fim do ano passado, ela e Raul se casaram. O marido lhe deu também dois enteados, Ravi e Maria.
Tânia e Raul se conheceram durante o carnaval, mas de uma maneira diferente do habitual – não foi em um bloquinho ou em um baile, como se esperaria. “Nem eu e nem ela gostamos; estávamos fora do carnaval, mais em casa. Nós nos conhecemos fazendo compras. Sentíamos a necessidade de conhecer alguém que valesse a pena.”, conta Raul.
Hoje, eles moram em uma casa em Brasília, onde Tânia — que passou mais da metade da vida em apartamentos — pode voltar a experimentar a sensação de espaço e liberdade que tinha na infância. Feliz e sentindo-se realizada, ela, aos poucos, vê a casa voltando a ficar cheia, nos finais de semana, como quando era criança. E durante a semana, segue conquistando seu espaço e fazendo muito pelo coop. E tem conquista melhor do que essa?
Esta matéria foi escrita por Devana Babu e está publicada na Edição 37 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação