Tem brasileiro na disputa pelo Nobel da Paz
Um brasileiro apaixonado pelo cooperativismo pode ser o ganhador do Prêmio Nobel da Paz deste ano. Aos 84 anos, o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli baseou sua carreira na ciência, no conhecimento e na inovação. Grande apoiador da formação de jovens pesquisadores, ele trabalhou pelo fortalecimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e é um dos grandes responsáveis pela maior revolução tropical agrícola da história: a que tornou viável a produção de grãos, em larga escala, no Cerrado brasileiro.
O Brasil merece um Prêmio Nobel pelo que tem feito. Hoje, o país pode oferecer tranquilidade ao mundo em relação à sustentabilidade da alimentação, mesmo com as projeções de crescimento de população e renda”, destacou Paolinelli, que é engenheiro agrônomo.
A indicação do agrônomo ao Nobel da Paz deve-se à sua contribuição para tornar o Cerrado brasileiro um local propício ao plantio (o que era considerado impossível) e pelo aumento exponencial de oferta de alimentos decorrente dessa mudança — fato que ampliou significativamente a segurança alimentar global.
Na avaliação da Fundação Nobel, existe uma importante conexão entre o combate à fome e a cultura da paz. Afinal, para termos um mundo de paz e estabilidade, é preciso que todos recebam a mais básica das dignidades humanas: o alimento de que precisam para viver.
O último agrônomo a vencer um Nobel da Paz foi o norte-americano Norman Borlaug, em 1970, famoso por seus trabalhos de combate à fome ao redor do mundo.
APOIO ACADÊMICO
O nome de Paolinelli foi protocolado no Conselho Norueguês do Nobel pela Universidade de São Paulo (USP), mas a indicação contou com o apoio de instituições científicas ligadas ao agronegócio de 24 países — entre elas, a nossa OCB.
Além de um dossiê com a história de Paolinelli, o diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Durval Dourado Neto, entregou 119 cartas de apoio ao pleito, feitas por instituições brasileiras e internacionais.
Em uníssono, elas destacam que, se hoje o Brasil é uma potência agrícola mundial e tem papel relevante em fornecer alimentos para o mundo, isso se deve, em parte, à liderança, ao entusiasmo e à capacidade de reunir talentos de Paolinelli.
Muito foi feito por ele para que a agricultura brasileira chegasse onde chegou. A indicação a esse prêmio é, na verdade, para o Brasil; por isso, convido todos os brasileiros a apoiarem essa iniciativa tão importante para o país”, destacou Dourado Neto, durante entrevista coletiva que referendou o nome do engenheiro.
Grande entusiasta da indicação de Paolinelli ao Nobel, o embaixador especial da FAO (Organização Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) para as cooperativas, Roberto Rodrigues, concorda com o colega da USP e completa: Paolinelli é o pai da moderna agricultura brasileira e tudo o que fez foi com base em ciência.
"Um Nobel da Paz para ele é um Nobel da Paz para o Brasil e para a agricultura sustentável”, defendeu Rodrigues.
Modesto, o indicado acredita que o prêmio seria um coroamento ao trabalho de muitos brasileiros.
Pessoalmente, recebi com muita honra e carinho [a indicação ao Prêmio Nobel], porque ela partiu dos meus companheiros. Eu tenho certeza de que se eu ganhar, eles também estão ganhando”,
disse o mineiro de prosa boa e farto conhecimento, em entrevista à Saber Cooperar.
HISTÓRIA DE LUTA
A preocupação com a sustentabilidade e com formas de melhorar o processo de produção de alimentos sem agredir o meio ambiente sempre foi a marca do trabalho de Paolinelli.
Mineiro de Bambuí, formado pela Universidade Federal de Lavras – à época, Escola Superior de Agronomia de Lavras (Esal) –, ele foi secretário de Agricultura de Minas Gerais (1971) e criou incentivos e inovações tecnológicas que transformaram o estado no maior produtor de café do Brasil.
Três anos depois, em 1974, ele assumiu o Ministério de Agricultura, iniciando um período de políticas marcantes para o setor e para o desenvolvimento do Centro-Oeste brasileiro.
Nessa época, o Brasil era um importador de alimentos. Importávamos um terço do que consumíamos. Isso pesava demais [na balança comercial]. Nós tínhamos 50% da população nas cidades, e a metade rural não dava conta de abastecer a metade urbana. O Brasil dependia de importar alimentos”, relembra.
Durante os cinco anos à frente do ministério, ele estruturou a Embrapa e atraiu profissionais de renome da academia e de órgãos de assistência técnica. Foi também o responsável por montar uma política pública ousada, baseada na ciência, na tecnologia, na assistência técnica, na extensão rural e no crédito orientado para criação de um centro de desenvolvimento do cerrado brasileiro.
Nesse período, implantou um inédito programa de bolsas de estudos para estudantes brasileiros nos maiores centros de pesquisa em agricultura do mundo. O objetivo era ousado: concentrar as melhores mentes brasileiras em torno de pesquisas para descobrir e desenvolver soluções para o Cerrado e para a região tropical. O orçamento até hoje faz os olhos brilharem: US$ 200 milhões.
“O Brasil formou, de uma vez só, uma equipe muito competente que conseguiu criar, em menos de 20 anos, a primeira agricultura tropical, sustentável e competitiva do mundo. Os trópicos, até então, não eram capazes de abastecer as demandas mundiais. Só conseguiam fazer isso com produtos tropicais, como era o caso do café, do cacau, da borracha e da madeira. E o Brasil mudou esse cenário”, destacou.
TECNOLOGIA PARA CRESCER
Na opinião de Paolinelli, a pesquisa científica e a busca por inovação foram elementos fundamentais para alcançar esses resultados. Segundo ele, qualquer país que quer se desenvolver precisa criar tecnologia e conhecimento.
A Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural] já estava criada e foi o órgão encarregado de captar e transferir ao produtor as tecnologias mais adequadas para transformar o Brasil em uma potência alimentar", afirma.
Antes de Paolinelli, a agricultura brasileira era incipiente. Depois dele, o Brasil deixou de ser importador de alimentos e passou a ser exportador. "A entrada no mercado internacional só ocorreu porque passamos a ocupar o Cerrado – que era conhecido como uma terra degradada e infértil – e conseguimos transformá-lo em uma área produtiva e competitiva", complementa o ex-ministro.
COOPERATIVISMO NA VEIA
Alysson Paolinelli é um forte aliado do cooperativismo. Não é à toa que o Sistema OCB apoiou a indicação de seu nome ao Nobel.
Eu tenho confiança muito grande no cooperativismo. É um sistema que valoriza o homem pelo trabalho e pelo produto que é capaz de produzir; um sistema produtivo capaz de fazer com que o pequeno, o médio e o grande produtor tenham a mesma capacidade competitiva. É um modelo importantíssimo para o desenvolvimento de qualquer país”, destacou.
Ele enumera ainda alguns entraves do setor rural — como a distância entre as propriedades e os problemas de armazenamento e processamento — que são minimizados com o esforço integrado de um sistema com o cooperativo.
“O cooperativismo fez marca no Brasil. O país precisa ampliar a sua mentalidade associativista”, enfatizou.
NOVOS CAMINHOS
A revolução agrícola que tornou o Brasil um grande exportador de alimentos ainda está dando os primeiros passos. “Agora é que estamos achando o nosso caminho”, diz, entre risadas, o engenheiro agrônomo.
Hoje, entregamos na hora em que o mercado precisa um produto de melhor qualidade e mais barato. "O Cerrado produz trigo, soja, milho, algodão, frutas e legumes. Tudo a um preço mais barato e melhor que os outros países produtores”, analisa.
Como nova fase dessa revolução, ele menciona os estudos avançados em biotecnologia que farão o país produzir defensivos, fertilizantes e pesticidas.
“O Brasil ainda é dependente de fertilizante, de produtos químicos. E a biotecnologia vai trazer nossa independência. Estamos caminhando. Brasil e Holanda são os países mais desenvolvidos em biotecnologia no mundo. E isso é muito importante. É a nova fase. Esse vai ser o nosso terceiro salto: em biotecnologia.”
VONTADE DE AJUDAR MAIS
O Nobel da Paz não seria o primeiro prêmio internacional conquistado pelo ex-ministro. Por garantir mais qualidade e aumentar a quantidade de alimentos no mundo, em 2006, Alysson Paolinelli foi agraciado com o World Food Prize, prêmio que equivale ao Nobel da Alimentação. O feito foi alcançado graças ao trabalho de Paolinelli ao lado do pesquisador Edson Lobato, da Embrapa, que ajudou a transformar o Cerrado brasileiro em um dos mais produtivos celeiros do mundo.
Mesmo com uma biografia consolidada, Paolinelli tem planos de continuar contribuindo com o crescimento e o desenvolvimento do país.
“Temos outras iniciativas para a gente poder ajudar o país”, destaca, referindo-se ao Instituto Fórum do Futuro, do qual é presidente, grupo de reflexão independente que reúne notáveis e é voltado para o debate de questões estruturantes da sociedade brasileira, a partir da perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Esta matéria foi escrita por Lílian Beraldo e está publicada na Edição 33 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação