Virada cooperativista

Essa história começa no Rio de Janeiro, com um menino de oito anos que descobre ter um raro problema de visão: a retinose pigmentar. Talvez por não enxergar bem, ele aguçou todos os seus outros sentidos e, muito cedo, começou a perceber oportunidades onde ninguém mais via.

De família humilde, Abdul Nasser perdeu a mãe aos 4 anos e foi criado pela avó, costureira, com muita dificuldade. O pai, com quem tinha uma relação distante, o convidou a trabalhar em uma cooperativa de vans sem receber salário.  Apesar de ainda ser um menino, ele  enxergou ali uma oportunidade de traçar um novo caminho para sua vida.

 Dos 11 aos 14 anos, eu vendia bala no ônibus, água no sinal, carregava caminhão de tijolo. Eu odiava essas coisas e sabia que isso não era para mim”, lembra Abdul, hoje superintendente do Sescoop/RJ.

Seu sonho era trabalhar em um escritório, por isso ele logo se apaixou pela cooperativa.  “Eu era como um secretário, porque a cooperativa era pequena. Comecei a estudar o estatuto, a lei, a cooperativa cresceu e passei a ganhar um salário”, lembra.

OLHOS ABERTOS

Com o conhecimento adquirido sobre o nosso modelo de negócios, Abdul começou a ajudar cooperativas de vários municípios do estado a se constituírem. A partir dessa experiência, decidiu cursar direito porque não encontrava, na época, advogados especializados em cooperativismo.

 Eu fiz faculdade por meio do financiamento estudantil e meu fiador foi um cooperado da nossa cooperativa. Como eu ganhava só o suficiente para pagar a mensalidade, o pessoal das vans me levava de graça para a faculdade. Se não fosse o cooperativismo, eu nem teria conseguido estudar”, conta.

Abdul foi estagiário do Sescoop/RJ e, ao concluir a graduação, montou um escritório com foco na área. A trajetória no cooperativismo o levou a voos mais longos: foi indicado para ocupar uma vaga no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF), órgão colegiado responsável por julgar processos relativos à cobrança de impostos pela Receita Federal. Ali, teve a oportunidade de trabalhar em casos bilionários e emblemáticos de fusões de bancos e até mesmo da dívida do jogador de futebol Neymar. Ao sair do órgão, preferiu retornar para o Sistema OCB/RJ para apoiar o desenvolvimento do cooperativismo fluminense. 

Minha primeira viagem internacional foi pelo cooperativismo, tive a oportunidade de conhecer vários lugares do mundo. Em 2019 fui a Nova York para falar de cooperativismo de plataforma, fui ao púlpito do Senado defender as cooperativas na questão dos aplicativos de transporte. Tudo que eu tenho é cooperativo, até meu casamento, porque eu conheci minha mulher no Sescoop. Desde que nasceu, minha filha tem uma conta numa cooperativa de crédito, ela foi a cooperada mais jovem porque tinha meses de vida”, conta.

Apesar das dificuldades que 2020 trouxe a todos, Abdul acredita que a pandemia acelerou a digitalização dos atendimentos e serviços oferecidos aos cooperados, que antes tinham resistência aos formatos não presenciais. Para 2021, o objetivo é ampliar a força do cooperativismo no estado, inclusive por meio de campanhas e pela aproximação com o setor público.

“Com a pandemia, todos os processos de digitalização que podiam ser adiantados no setor produtivo, foram. Com isso, as empresas reduziram equipes e esses postos de trabalhos foram perdidos para sempre, não voltam. A alternativa para o emprego é empreender e tem gente que não tem perfil para fazer isso sozinho, mas coletivamente consegue”, analisa.

“A retomada para a economia do Rio de Janeiro é o empreendedorismo cooperativo. A gente quer colocar o cooperativismo na moda e mudar a vida de mais gente, como eu mudei a minha”, torce.


Esta matéria foi escrita por Amanda Cieglinsk e está publicada na Edição 32 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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