Vida Nova

Yadira Del Valle Stabilit de Boada, 52 anos, deixou para trás sua casa e seu país em busca de uma vida melhor. Cruzou a fronteira entre a Venezuela e o Brasil por Roraima e, depois de quase um mês de viagem, passando por diversas cidades do país, chegou ao seu destino final: Medianeira (PR), às vésperas do Natal de 2018. Junto com a filha, genro e netos, que também fizeram a travessia, foi lá que encontrou a chance de construir um novo capítulo da sua história, aberto pelo cooperativismo.

Saímos da Venezuela pela situação terrível que passa nosso país. Eu, meu marido, minha filha e meu genro trabalhávamos e mesmo assim não conseguíamos o suficiente para comprar comida”, lembra a venezuelana, que há pouco mais de um ano trabalha na Frimesa Central, cooperativa do ramo alimentício com mais de 40 anos de história na região.

Em todo o país, cooperativas têm aberto as portas para imigrantes e refugiados (saiba a diferença no quadro) que chegam ao Brasil para recomeçar. Nessa caminhada, a conquista do emprego e de uma fonte de renda estável tem um peso muito importante.

“Populações refugiadas são pessoas que, em razão de guerras e conflitos, têm de deixar seus países para preservar a sua vida e de suas famílias. Isso significa recomeçar do zero porque eles deixam tudo para trás, mas trazem suas capacidades, seus talentos e sua experiência profissional. O emprego vai representar a autonomia, a auto sustentabilidade daquela pessoa e da sua família. E, muitas vezes, o trabalho é o que permite à pessoa se integrar em vários âmbitos”, explica o Oficial de Meios de Vida da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR Brasil), Paulo Sérgio Almeida.

ACOLHIMENTO

Banco de imagens

Assim como Yadira, mais de 264 mil venezuelanos entraram e permaneceram no Brasil nos últimos anos, desde o início da crise migratória. Quando chegou, ela vendeu comidas na rua e trabalhou como diarista até conseguir a vaga na Frimesa, há pouco mais de um ano. Hoje, sua filha e genro também trabalham lá.

A empresa começou a receber imigrantes em 1986, mas o maior número chegou a partir de 2019. Atualmente são 328 trabalhadores estrangeiros de diversas nacionalidades: além dos venezuelanos, há paraguaios, haitianos, cubanos, colombianos e sul-africanos.

Acolher esses imigrantes tem sido uma experiência muito positiva. Nós temos na nossa essência a prática da responsabilidade social e é justamente uma oportunidade de trabalhar com a inclusão e diversidade. Também é uma forma de inserir novas culturas e eles podem contribuir muito nas atividades com os talentos que trazem, e assim gerar resultados positivos para a cooperativa”, explica Elisa Fredo, gerente de Gestão de Pessoas da Frimesa.

A chegada dos imigrantes na empresa se deu a partir do contato com organizações da sociedade civil que apoiam essa população e procuraram a Frimesa para estabelecer a ponte. Paulo Almeida, da ONU, explica que muitas vezes as empresas, cooperativas ou não, desconhecem que os processos de contratação de refugiados e imigrantes são os mesmos de um profissional brasileiro.

Fazemos um trabalho de engajamento com o setor produtivo na linha de informar porque há muitas dúvidas sobre o que é essa população. Muita gente desconhece que, seja solicitante de refúgio ou refugiado, essas pessoas têm documentos legalizados, carteira de trabalho, e podem ser contratados como qualquer brasileiro”, explica o oficial do ACNUR.

Para Elisa, o comprometimento dos funcionários imigrantes refugiados é um diferencial. “Às vezes, eles vêm de alguma situação que afetou profundamente a vida deles, então valorizam essa oportunidade, o que é uma vantagem para a cooperativa”, pontua. De acordo com Almeida, há de fato estudos que apontam uma taxa de rotatividade desse público menor do que a média.

RECOMEÇO

Yadira Del Valle Stabilit de Boada

Atualmente, a venezuelana Yadira trabalha na área de produção de frios da Frimesa, mas sua formação é em administração, função que exercia antes na Venezuela. Almeida destaca que imigrantes e refugiados que chegam ao Brasil são pessoas de todas as classes e com perfis variados.


“Muitas vezes são pessoas com formação educacional elevada, mas que não escolheram sair dos seus países, fizeram para preservar suas vidas”, lembra. Para ele, a contratação desses profissionais é um “ganha-ganha”: os estrangeiros conquistam uma oportunidade e a cooperativa pode ter em seu quadro trabalhadores que trazem inovação e outras perspectivas para a resolução de problemas.

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Imigrante x refugiado

São considerados refugiadas aquelas pessoas que são obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos. Eles são assim reconhecidos por ser extremamente perigoso retornar a seus países de origem e, portanto, precisam de refúgio em outro lugar. Os Estados são responsáveis por assegurar essa proteção. Já o termo imigrante, em geral, compreende pessoas que deixam seus países de forma voluntária. Eles podem migrar em busca de melhores condições de vida, seja por oportunidades de trabalho ou estudo, reunião com familiares e outras diversas razões. Muitas vezes, também deixam seus países para aliviar dificuldades significativas ocasionadas por desastres naturais, pela fome ou extrema pobreza.

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Refugiados no Brasil

50 mil pessoas reconhecidas como refugiadas pelo Estado brasileiro, 55 nacionalidades. 

Número de solicitações de refúgio (2018) 

61,6 mil venezuelanos

7 mil haitianos

2,7 mil cubanos

1,4 mil chineses

947 bengaleses


Esta matéria foi escrita por Amanda Cieglinski e está publicada na Edição 31 da revista Saber Cooperar. Baixe aqui a íntegra da publicação


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